A Rickettsia rickettsii é um cocobacilo Gram-negativo intracelular obrigatório, pertencente à família Rickettsiaceae, e o agente causador da Febre Maculosa das Montanhas Rochosas (RMSF – Rocky Mountain Spotted Fever). Trata-se da rickettsiose mais grave e potencialmente letal, sendo transmitida por carrapatos e caracterizada por febre alta, exantema e sintomas sistêmicos severos.
A RMSF ocorre predominantemente nos EUA, México, América Central e América do Sul, sendo denominada Febre Maculosa Brasileira no Brasil. A transmissão se dá principalmente pelas picadas de carrapatos do gênero Dermacentor e Amblyomma.
Microbiologia e Transmissão
- Bacilo intracelular obrigatório, cresce dentro das células endoteliais.
- Vectores principais:
- Dermacentor variabilis (EUA – carrapato americano do cão).
- Dermacentor andersoni (EUA – carrapato das Montanhas Rochosas).
- Rhipicephalus sanguineus (carrapato marrom do cão, vetor emergente no sudoeste dos EUA e México).
- Amblyomma cajennense e A. aureolatum (Brasil e América do Sul).
Ciclo de Transmissão
- A transmissão ocorre após 4-6 horas de fixação do carrapato na pele do hospedeiro.
- A incubação varia de 3 a 12 dias, com média de 4 dias.
- Casos mais comuns entre maio e setembro nos EUA, coincidindo com maior atividade dos carrapatos.
Epidemiologia
- Aproximadamente 5.500 casos nos EUA em 2018, reduzidos a ~1.200 casos em 2021 devido à revisão dos critérios diagnósticos.
- Distribuição geográfica:
- Maioria dos casos no leste dos EUA, principalmente em Oklahoma, Carolina do Norte, Tennessee e Arkansas.
- Casos descritos no Brasil, México e Colômbia.
- Fatores de risco:
- Crianças de 5 a 9 anos apresentam maior incidência e mortalidade.
- Adultos >40 anos são os mais frequentemente diagnosticados.
- Deficiência de G6PD aumenta o risco de doença grave.
- Exposição a ambientes rurais ou suburbanos, contato com cães infectados.
Manifestações Clínicas
A RMSF pode evoluir rapidamente para um quadro grave e potencialmente fatal. O início dos sintomas é inespecífico, dificultando o diagnóstico precoce.
1. Sintomas Iniciais (3-5 Dias)
- Febre alta (>39°C)
- Cefaleia intensa
- Mialgia, artralgia
- Náusea, vômito e dor abdominal (podem simular abdome agudo)
- Fadiga extrema
2. Exantema Característico
- Ocorre em 90% dos casos.
- Aparece entre o 3º e 5º dia de sintomas.
- Maculopapular inicial → Petequial em membros e tronco.
- Sinal clássico: começa em pulsos e tornozelos, espalhando-se de forma centrípeta (poupando a face).
- Até 10% dos pacientes nunca desenvolvem rash (“RMSF sem exantema”).
3. Sintomas Tardios e Complicações
- Meningoencefalite (confusão, convulsões, rigidez de nuca).
- Trombocitopenia grave.
- Coagulopatia e CIVD.
- Insuficiência renal aguda.
- Hiponatremia (presente em 50% dos casos).
- Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
- Miocardite, choque séptico e falência de múltiplos órgãos.
4. Diagnóstico Diferencial
- Outras rickettsioses (ex.: Rickettsia parkeri).
- Ehrlichiose e anaplasmose.
- Leptospirose e febre tifoide.
- Doença de Kawasaki (em crianças).
- Meningococcemia e sepsis bacteriana.
Diagnóstico
O tratamento nunca deve ser retardado para aguardar confirmação laboratorial!
1. Exames Laboratoriais
- Hemograma: leucopenia ou leucocitose, trombocitopenia (~30% dos casos).
- Função hepática: elevação de transaminases.
- Eletrólitos: hiponatremia (comum).
- Coagulação: sinais de CIVD.
- Líquor (se meningoencefalite): pleocitose linfocitária e hipoglicorraquia.
2. Testes Específicos
- Imunofluorescência indireta (IFA):
- Teste padrão-ouro, mas anticorpos só aparecem após 7-10 dias.
- Confirmação exige elevação de 4x no título IgG (fase aguda vs. convalescente).
- PCR para R. rickettsii:
- Mais útil em biópsias de pele do rash.
- Menos sensível em amostras de sangue.
- Biópsia de pele com imunohistoquímica:
- Pode ser realizada precocemente.
Tratamento
O tratamento deve ser iniciado empiricamente em qualquer paciente com suspeita de RMSF, sem aguardar exames!
1. Primeira Linha (Drogas de Escolha)
- Doxiciclina 100 mg VO/IV a cada 12h por 5-7 dias.
- Crianças (<45 kg): 2,2 mg/kg/dose VO/IV a cada 12h.
A doxiciclina é segura para crianças <8 anos em cursos curtos e é recomendada pelo CDC e AAP.
2. Alternativa (Gestantes ou Alergia a Tetraciclinas)
- Cloranfenicol 50 mg/kg/dia IV dividido em 4 doses.
- Menos eficaz, associado a maior mortalidade.
3. Duração
- Continuar por pelo menos 3 dias após a febre ceder (5-7 dias no total).
Evidências sugerem que a trimetoprima/sulfametoxazol pode piorar a evolução da RMSF e não deve ser usado.
Prevenção e Controle
- Evitar picadas de carrapatos:
- Uso de roupas de manga longa e repelentes à base de DEET.
- Inspeção cuidadosa do corpo após atividades ao ar livre.
- Aplicação de permetrina em roupas e equipamentos.
- Monitoramento de cães e animais domésticos para infestação de carrapatos.
- Não há vacina disponível.
Prognóstico e Mortalidade
- Sem tratamento, a taxa de mortalidade pode chegar a 20-30%.
- Se tratada precocemente, a letalidade cai para <5%.
- Atraso no início do antibiótico (>5 dias) aumenta risco de complicações graves.
Conclusão
A Febre Maculosa das Montanhas Rochosas é uma rickettsiose grave e potencialmente fatal, caracterizada por febre, exantema e comprometimento multissistêmico. O diagnóstico clínico precoce e o tratamento imediato com doxiciclina são essenciais para reduzir a mortalidade. A prevenção da exposição a carrapatos continua sendo a melhor estratégia para evitar a doença.
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Referências
- Biggs HM, Behravesh CB, Bradley KK, et al. MMWR Recomm Rep. 2016;65(2):1-44.
- CDC – Rocky Mountain Spotted Fever (RMSF). Disponível em: CDC RMSF.
- Zazueta OE, Armstrong PA, Márquez-Elguea A, et al. Emerg Infect Dis. 2021;27(6).