
Na prevenção de infecções oculares graves, como a endoftalmite e a síndrome tóxica do segmento anterior (TASS), a escolha e a correta aplicação do antisséptico pré-operatório são etapas críticas. Apesar da relevância do tema, persistem lacunas importantes no conhecimento dos profissionais e falhas operacionais nas instituições de saúde. Por isso, neste artigo, vamos revisar a literatura atual e as boas práticas recomendadas para a antissepsia ocular, com ênfase nos antissépticos mais utilizados: PVPI e clorexidina.
Evidência científica: o que os estudos mostram?
A povidona-iodo (PVPI) a 5% é considerada o padrão-ouro na preparação pré-operatória do campo ocular. Estudos clínicos e laboratoriais demonstram sua eficácia contra uma gama de microrganismos, incluindo bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, vírus e fungos. A aplicação correta no fundo de saco conjuntival e na pele periocular, com tempo mínimo de contato de 3 minutos, está associada a significativa redução da incidência de endoftalmite pós-cirúrgica.
A clorexidina, na concentração de 0,05% ou 0,1%, tem sido utilizada como alternativa em pacientes com contraindicação ao iodo. No entanto, sua eficácia frente a infecções intraoculares ainda carece de robustez científica equivalente. Além disso, o risco de toxicidade ocular, como ceratite ou reação inflamatória, aumenta significativamente em concentrações superiores a 0,1%.
Riscos do uso inadequado
Falhas aparentemente pequenas, como a aplicação do antisséptico apenas na pele — ignorando o fundo de saco conjuntival — ou a manutenção de tempo de contato inferior a um minuto, têm consequências clínicas graves. A reutilização de frascos abertos ou gaze contaminada, ainda presente em diversos serviços, também é vetor importante de infecção.
Outro erro recorrente é o uso do PVPI a 10% diretamente sobre o globo ocular. Essa concentração, indicada para desinfecção de pele, não é segura para contato direto com a mucosa ocular, podendo causar intensa irritação e até lesão tecidual.
Recentemente, a ANVISA publicou a Nota Técnica nº 31/2023, com orientações específicas para procedimentos oftalmológicos em mutirões e ações coletivas de saúde. O documento reforça a obrigatoriedade do uso de PVPI no preparo ocular, detalha as exigências para frascos unidose ou multidoses seguros, e determina a necessidade de aplicação no fundo de saco conjuntival, sempre com controle de tempo adequado. Além disso, destaca o papel dos serviços de controle de infecção (SCIH/NCIRAS) na capacitação das equipes, rastreabilidade dos procedimentos e articulação com a vigilância sanitária local. O cumprimento dessas diretrizes é fundamental para prevenir eventos adversos e garantir a segurança do paciente em larga escala.
O papel do SCIH e dos protocolos locais
A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) tem papel central na normatização e monitoramento dessas práticas. É responsabilidade do SCIH definir, junto às equipes assistenciais e de farmácia, quais antissépticos serão utilizados, como serão manipulados e qual protocolo deve ser seguido em cada tipo de procedimento oftalmológico. Isso inclui desde cirurgias eletivas até mutirões de catarata, frequentemente associados a surtos por falhas de controle.
Além disso, cabe ao SCIH atuar na capacitação contínua dos profissionais envolvidos, na auditoria de processos e na vigilância ativa de casos suspeitos de infecção ocular pós-procedimento.
A importância da formação especializada
Com o aumento dos procedimentos ambulatoriais e a maior complexidade dos pacientes atendidos, cresce também a necessidade de profissionais capacitados para liderar estratégias de prevenção e controle de IRAS. Uma formação sólida em CCIH permite ao profissional atuar com maior segurança na implementação de protocolos baseados em evidências, na análise crítica de surtos e na interface com diferentes áreas da assistência.
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