A sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) lançou em fevereiro deste ano um artigo questionando alguns pontos do SEPSIS-3, consenso publicado no JAMA em 2016, o qual propôs novas definições de sepse e condutas a serem tomadas frente a ela.
No artigo, os autores questionam alguns pontos do bundle proposto pelo SEPSIS-3. O principal objetivo é questionar as medidas sugeridas especialmente no que tange o uso imediato (< 1 hora) de antibióticos frente a qualquer suspeita de sepse. Eles enfatizam a importância em se diferenciar sepse de choque séptico, uma vez que as evidências fortes que suportam o impacto da antibioticoterapia precoce existem somente para os casos de choque séptico e quadros críticos. Em suas visões, portanto, o seguimento do bundle em casos de sepse sem choque leva ao uso indiscriminado de antibióticos, o que contribui para o aumento de resistência microbiana e dos gastos hospitalares.
Outro ponto ressaltado é que os médicos, pressionados a seguir à risca o protocolo no tempo estipulado, deixem de pensar em diagnósticos diferenciais, que na sepse são muitos, como falência cardíaca, TEP, doenças gastrointestinais, crise tireotóxica, insuficiência adrenal, abuso de drogas e outros.
Os autores apontam algumas falhas do consenso publicado no JAMA. Uma delas seria o tipo de análise antes e depois utilizada, que mostram melhores resultados após a implementação do bundle. Essa análise não considera outros pontos importantes que andam junto com a aplicação do bundle, como a adoção de campanhas educacionais, aumento de recurso financeiro, maior alerta tanto populacional como por parte da equipe de saúde. Todos esses fatores são potenciais viéses de confusão. Outro problema relatado diz respeito ao tipo de paciente alocado para receber o bundle. Pacientes graves e com algumas comorbidades como IC, DRC ou cirrose, tendem muitas vezes a não receber o pacote completo, uma vez que se opta por uma reposição volêmica menor do que a sugerida pelo estudo. Questiona-se, desta forma, se esses pacientes evoluem de maneira desfavorável por não terem recebido o bundle ou por apresentarem de fato comorbidades e quadro clínico mais grave.
Com base nisso, os autores propõe algumas modificações no SEPSIS-3. A primeira delas é que se retire os pacientes com sepse sem choque da categoria elegível para receber o bundle. Desta forma, apenas os grupos para os quais há evidência forte do uso de antibiótico na primeira hora seriam contemplados, ou seja, aqueles com choque séptico ou em doentes em estado crítico. Outra sugestão é que se estabeleça critérios mais precisos para definir a hora 0 da sepse. Segundo os autores, no consenso atual essa definição é subjetiva e dependente de resultados laboratoriais para evidenciar disfunção orgânica, o que pode contribuir para atraso no diagnóstico e dificuldade em realizar ensaios clínicos adequados, uma vez que há enorme variabilidade nos “tempos da sepse” observados por cada profissional.
Outro ponto polêmico: os autores recomendam a retirada das medidas seriadas de lactato. De acordo com o artigo publicado no ISDA, não obstante exista de fato uma correlação entre o valor do lactato e pior desfecho clínico, basear a reposição volêmica no seu clearance não se mostrou superior a fazê-la de acordo com o julgamento clínico, podendo, inclusive, levar à sobrecarga volêmica. Apesar das críticas, os autores enfatizam pontos importantes do SEPSIS-3, com especial atenção a importância da coleta de hemoculturas antes do início do antibiótico.
E aí, o que achou das mudanças propostas? O artigo deixa claro que não se trata de esperar o paciente com sepse agravar e entrar em choque séptico, apenas de racionalizar as terapias e embasá-las em evidências fortes. O julgamento clínico deve sempre ser soberano!