O Mycoplasma genitalium (M. genitalium) é um micro-organismo aeróbico fastidioso, pertencente à classe Mollicutes, caracterizado pela ausência de parede celular, tornando-o intrinsecamente resistente a antibióticos que atuam na parede bacteriana (ex.: beta-lactâmicos). Sua colonização ocorre no trato geniturinário masculino e feminino, sendo um patógeno emergente de uretrite não gonocócica (UNG) e outras infecções do trato reprodutivo.
A detecção de M. genitalium tem sido desafiadora devido à dificuldade de cultivo e ausência de um quadro clínico específico, mas melhorou com a introdução de testes moleculares (NAAT).
Microbiologia
- Micro-organismo de crescimento extremamente lento (pode levar semanas para crescer em cultura).
- Colônias com aparência de “ovo frito” em meio sólido.
- Não possui parede celular, sendo resistente a:
- Beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas).
- Fosfomicina e glicopeptídeos.
- Contém esteroides na membrana, diferenciando-se de outras bactérias.
Epidemiologia e Transmissão
- Prevalência global: 1-4% em homens e mulheres saudáveis, podendo chegar a 30% em grupos de risco.
- Transmissão exclusivamente sexual:
- Relações vaginais, anais e orais.
- Alta coinfecção com Chlamydia trachomatis.
- Grupos de risco:
- Múltiplos parceiros sexuais.
- Histórico prévio de ISTs.
- Falha de tratamento prévio para uretrite ou cervicite.
Manifestações Clínicas
1. Infecções em Homens
- Uretrite não gonocócica (UNG):
- Responsável por até 30% dos casos.
- Indistinguível clinicamente de outras causas de UNG.
- Sintomas:
- Secreção mucopurulenta.
- Disúria leve.
- ≥ 5 leucócitos por campo de imersão na secreção uretral.
- Prostatite crônica (associação pouco definida).
2. Infecções em Mulheres
- Uretrite feminina (rara, <10% dos casos).
- Cervicite:
- M. genitalium pode estar presente em 10-28% das mulheres com cervicite.
- Geralmente assintomática, mas pode causar:
- Secreção mucopurulenta endocervical.
- Sangramento cervical fácil à manipulação.
- Doença Inflamatória Pélvica (DIP):
- Dados ainda inconclusivos sobre o papel causal.
- Infertilidade:
- Aumento de 4x no risco de infertilidade tubária entre mulheres previamente infectadas.
- Parto prematuro:
- Duplicação do risco de parto prematuro em mulheres infectadas.
3. Infecções Extragenitais
- Infecção articular:
- Relatos de M. genitalium isolado de líquido sinovial em artrite reativa sexualmente adquirida (SARA).
- Proctite e epididimite:
- Possível, mas sem evidências robustas como causa primária.
Diagnóstico
M. genitalium não é detectado em exames de rotina para ISTs e exige testes moleculares específicos.
1. Indicações para Teste
- Uretrite ou cervicite persistente com teste negativo para Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae.
- Suspeita de DIP ou infertilidade tubária.
- Recorrência de sintomas após tratamento para IST.
2. Métodos Diagnósticos
- Teste de Amplificação de Ácidos Nucleicos (NAAT) (padrão-ouro):
- Amostras: urina, swabs uretrais, endocervicais ou vaginais.
- Melhor sensibilidade em amostras combinadas (endocervical + vaginal ou endocervical + urina).
- Cultura:
- Não é utilizada na prática clínica devido ao crescimento extremamente lento.
- Sorologia:
- Não recomendada, pois há alta reatividade cruzada com M. pneumoniae.
Tratamento
M. genitalium apresenta altas taxas de resistência a macrolídeos e fluoroquinolonas, exigindo terapia guiada por testes de resistência sempre que possível.
1. Terapia Baseada em Teste de Resistência
- Macrolídeo-sensível:
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 7 dias, seguido de:
- Azitromicina 1 g VO no dia 1, seguido de 500 mg VO 1x/dia por 3 dias (total: 2,5 g).
- Macrolídeo-resistente:
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 7 dias, seguido de:
- Moxifloxacino 400 mg VO 1x/dia por 7 dias.
2. Terapia Sem Teste de Resistência
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 7 dias, seguido de:
- Moxifloxacino 400 mg VO 1x/dia por 7 dias.
Prevenção e Controle
- Tratamento de parceiros sexuais sintomáticos.
- Uso de preservativo reduz risco de transmissão.
- Pacientes com IST devem ser testados para HIV e sífilis.
Seguimento e Falha Terapêutica
Taxa de falha terapêutica >30% com regimes convencionais.
- Retestar se sintomas persistirem após terapia adequada.
- Taxas de resistência:
- Macrolídeos: 40-50% (variação regional).
- Fluoroquinolonas: 7-10%.
- Resistência dupla (macrolídeo + fluoroquinolona): 2-5%.
Impacto Clínico
- Aumento do risco de transmissão do HIV.
- Maior risco de falha terapêutica comparado a Chlamydia trachomatis.
- Evidências crescentes da relação com infertilidade e complicações obstétricas.
Conclusão
O Mycoplasma genitalium é um patógeno emergente, frequentemente subdiagnosticado, mas associado a uretrite persistente e possíveis complicações ginecológicas. O uso de testes moleculares e terapia guiada por resistência melhora os desfechos clínicos. A alta resistência antimicrobiana reforça a necessidade de novas estratégias terapêuticas e vigilância epidemiológica.
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Referências
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