Mycobacterium ulcerans:

O Mycobacterium ulcerans é uma micobactéria não tuberculosa (MNT) de crescimento lento, responsável pela úlcera de Buruli, uma doença cutânea crônica e ulcerativa que pode levar a deformidades graves e incapacidades se não tratada precocemente. É a terceira micobacteriose mais comum no mundo, depois da tuberculose e da hanseníase.

O Mycobacterium ulcerans é uma micobactéria não tuberculosa (MNT) de crescimento lento, responsável pela úlcera de Buruli, uma doença cutânea crônica e ulcerativa que pode levar a deformidades graves e incapacidades se não tratada precocemente. É a terceira micobacteriose mais comum no mundo, depois da tuberculose e da hanseníase.

A doença é endêmica principalmente na África Ocidental e Central, Austrália, Sudeste Asiático e América do Sul, sendo mais prevalente em crianças entre 5 e 15 anos. Sua transmissão ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que ocorra através do contato com águas paradas contaminadas e possíveis vetores aquáticos.

Microbiologia

  • Bacilo álcool-ácido resistente (BAAR).
  • Crescimento extremamente lento (6-12 semanas).
  • Ótima temperatura de crescimento: 28-33°C.
  • Produz a toxina mycolactone, que causa imunossupressão local, apoptose celular e necrose tecidual.

Transmissão

  • Não há evidência de transmissão pessoa a pessoa.
  • Possíveis vetores:
    • Insetos aquáticos hematófagos (ex.: Naucoridae).
    • Peixes podem ser reservatórios passivos.
  • A doença está associada a águas estagnadas e regiões úmidas.

Epidemiologia e Grupos de Risco

  • 32 países relatam casos, principalmente na África Ocidental e Austrália.
  • Fatores de risco:
    • Contato com águas de rios e lagos contaminados.
    • Exposição prolongada em áreas rurais endêmicas.
    • Sistema imunológico debilitado (casos raros em HIV/AIDS).

Manifestações Clínicas

A infecção progride de lesões cutâneas iniciais indolores para úlceras necróticas extensas.

1. Fases Clínicas

  1. Lesão pré-ulcerativa:
    • Nódulo subcutâneo, edema indolor ou placa.
    • Ausência de sinais inflamatórios iniciais (devido à imunossupressão local pela toxina mycolactone).
  2. Úlcera de Buruli:
    • Evolução do nódulo para úlceras profundas, com bordas socavadas.
    • Pele adjacente geralmente preservada.
    • 80% das lesões ocorrem nos membros.
  3. Fase avançada e complicações:
    • Úlceras extensas (>15 cm), podendo levar a contraturas articulares e deformidades.
    • Osteomielite e infecção óssea crônica podem ocorrer em casos graves.
    • Doença disseminada rara, relatada em pacientes imunocomprometidos.

2. Diagnóstico Diferencial

  • Úlceras venosas e diabéticas.
  • Leishmaniose cutânea.
  • Erisipela necrosante.
  • Micetomas e outras infecções fúngicas.

Diagnóstico

1. Diagnóstico Clínico

  • Em áreas endêmicas, o diagnóstico clínico pode ter sensibilidade de até 92%.

2. Testes Laboratoriais

  • PCR (padrão-ouro): Sensibilidade ~95%.
  • Histopatologia:
    • Necrose subcutânea e colágeno.
    • Pouca inflamação inicial devido à imunossupressão da toxina mycolactone.
  • Baciloscopia (Ziehl-Neelsen): Sensibilidade <60%.
  • Cultura:
    • Crescimento muito lento (>8 semanas).
    • Requer meios enriquecidos (Lowenstein-Jensen com gema de ovo).
  • Testes experimentais:
    • LAMP (Loop-mediated isothermal amplification).
    • Detecção cromatográfica de mycolactone.

Tratamento

Antes de 2004, o tratamento era exclusivamente cirúrgico. Hoje, antibióticos desempenham papel fundamental.

1. Tratamento Antimicrobiano

  • Esquema padrão OMS (2022):
    • Rifampicina 15 mg/kg/dia + Claritromicina 7,5 mg/kg 2x/dia por 8 semanas.
    • Alternativa: Rifampicina + Moxifloxacino 400 mg/dia.
    • Para úlceras pequenas (<10 cm): pode evitar cirurgia em até 80% dos casos.
    • Para lesões extensas (>10 cm): tratamento combinado com cirurgia.
  • Esquemas alternativos:
    • Rifampicina 600 mg/dia + Estreptomicina 15 mg/kg/dia IM por 8 semanas.
    • Amicacina pode substituir Estreptomicina se necessário.
  • Grávidas: Rifampicina + Claritromicina são seguros (evitar aminoglicosídeos).

2. Cirurgia

  • Pequenas lesões podem cicatrizar sem cirurgia.
  • Úlceras extensas (>5 cm) geralmente requerem enxertos cutâneos.
  • Objetivo: minimizar deformidades e melhorar recuperação funcional.

3. Terapias Adjuvantes

  • Terapia térmica local (>39°C por 12h/dia) mostrou taxa de resposta de 90%.
  • Fisioterapia: essencial para prevenir contraturas articulares.
  • Uso de curativos com nitrito de sódio e ácido cítrico mostrou redução do tamanho da úlcera.

Monitoramento e Complicações

  • Flare paradoxal (IRIS-like): ocorre em até 40% dos pacientes nas 8 primeiras semanas de tratamento, com aumento da inflamação (não interromper antibióticos).
  • Úlceras cicatrizam lentamente (semanas a meses).
  • Até 60% dos pacientes podem ter sequelas (contraturas, cicatrizes desfigurantes).

Casos Especiais

  • HIV/AIDS: iniciar TARV precocemente, pois melhora a resposta ao tratamento.
  • BCG pode oferecer proteção parcial.

Conclusão

O Mycobacterium ulcerans é um patógeno negligenciado, responsável pela úlcera de Buruli, que pode causar deformidades graves se não tratada precocemente. O tratamento com rifampicina + claritromicina por 8 semanas tem alta taxa de cura, reduzindo a necessidade de cirurgias extensas. O diagnóstico precoce e o manejo multidisciplinar são essenciais para minimizar sequelas.

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Referências

  1. Van Der Werf TS, Barogui YT, Converse PJ, et al. Pharmacologic management of Mycobacterium ulcerans infection. Expert Rev Clin Pharmacol. 2020;13(4):391-401. [PMID:32310683].
  2. Nienhuis WA, Stienstra Y, Thompson WA, et al. Antimicrobial treatment for early, limited Mycobacterium ulcerans infection: a randomized controlled trial. Lancet. 2010;375(9715):664-72. [PMID:20137805].
  3. WHO, Buruli ulcer fact sheet. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/buruli-ulcer-(mycobacterium-ulcerans-infection).
  4. Phillips RO, Robert J, Abass KM, et al. Rifampicin and clarithromycin versus rifampicin and streptomycin for Buruli ulcer lesions: a randomized trial. Lancet. 2020;395(10232):1259-1267. [PMID:32171422].
  5. Eddyani M, Sopoh GE, Ayelo G, et al. Diagnostic accuracy of clinical signs in Buruli Ulcer endemic regions. Clin Infect Dis. 2018;67(6):827-834. [PMID:29538642].

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