O Linfogranuloma Venéreo (LGV) é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada por Chlamydia trachomatis sorovares L1, L2 e L3. Diferente das infecções comuns por C. trachomatis (sorovares D-K), os sorovares LGV possuem tropismo pelos macrófagos e linfonodos, levando a doença sistêmica em vez de infecção superficial da mucosa.
Nos últimos anos, o LGV tem sido re-emergente em vários países da Europa e nos EUA, especialmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH), frequentemente associado a HIV e outras ISTs.
Microbiologia
- C. trachomatis é um microorganismo intracelular obrigatório.
- LGV diferencia-se de outras infecções por clamídia pelo seu tropismo por linfonodos e macrófagos.
- Pode causar doença sistêmica, com envolvimento linfático e proctocolite.
Transmissão
- Contato sexual desprotegido (anal, vaginal e, menos comum, oral).
- Reservatórios assintomáticos (uretra e orofaringe) podem ser fontes ocultas de infecção.
- Endêmico em algumas regiões da África, Sudeste Asiático e Caribe, além de surtos em populações de HSH na Europa e América do Norte.
Manifestações Clínicas
A infecção por LGV evolui em três estágios: primário, secundário e terciário.
1. Estágio Primário (3-30 dias após a exposição)
- Pequena pápula, úlcera ou erosão indolor no local da infecção.
- Pode ser não reconhecida por 50-90% dos pacientes.
- Lesões cicatrizam rapidamente sem deixar marcas.
- Formas:
- Pápula solitária.
- Úlcera indolor (diferente da sífilis primária, pois cura rapidamente).
- Uretrite não específica (descarga mucopurulenta leve).
2. Estágio Secundário (2-6 semanas após infecção)
- Síndrome inguinal:
- Linfadenite inguinal dolorosa, com formação de bubões (coleção purulenta que pode drenar espontaneamente).
- Sinal do sulco (“groove sign”): linfonodos inflamados bilateralmente, separados pelo ligamento inguinal.
- Ulceração sobre os linfonodos, formando fístulas crônicas.
- Síndrome anorretal (proctocolite por LGV)
- Dores retais, sangramento e tenesmo.
- Pode imitar a doença inflamatória intestinal (doença de Crohn, retocolite ulcerativa).
- Sintomas sistêmicos: febre, mialgia, artralgia.
- Pode evoluir para abscessos perianais e fístulas.
3. Estágio Terciário (complicações crônicas)
- Mais comum em mulheres e HSH não tratados.
- Inflamação crônica levando a fibrose e destruição tecidual.
- Manifestações incluem:
- Estenoses retais.
- Fístulas anorretais e genitais.
- Elefantíase genital por obstrução linfática.
- Infertilidade em mulheres devido a lesões cicatriciais.
Diagnóstico
1. Diagnóstico Clínico
- Baseado em história sexual, sintomas compatíveis e exclusão de outras ISTs.
- Presença de bubões inguinais ou proctocolite em HSH sexualmente ativos deve levantar suspeita.
2. Testes Laboratoriais
- Teste molecular (NAAT – PCR): padrão-ouro para diagnóstico de C. trachomatis.
- NAAT retal ou uretral positivo para C. trachomatis → suspeita de LGV.
- Diferenciação dos sorovares L1, L2 e L3 geralmente indisponíveis comercialmente.
- Sorologia para clamídia (IgM, IgG):
- Não é recomendada rotineiramente, mas pode apoiar o diagnóstico em casos com adenopatia inguinal isolada.
- Histopatologia:
- Abscessos estrelados nos linfonodos (padrão clássico).
- Pode mimetizar doenças inflamatórias intestinais em biópsias retais.
Diagnóstico Diferencial
- Sífilis primária e secundária (úlcera indolor e adenopatia).
- Cancroide (Haemophilus ducreyi) (úlcera dolorosa e linfadenopatia supurativa).
- Granuloma inguinal (Klebsiella granulomatis) (úlceras destrutivas sem linfadenopatia).
- Herpes genital (múltiplas úlceras dolorosas recorrentes).
- Doença inflamatória intestinal (se proctocolite crônica).
Tratamento
1. Tratamento de Primeira Linha
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 21 dias (preferencial).
2. Alternativas
- Azitromicina 1g VO 1x/semana por 3 semanas (menos validado, considerar NAAT 4 semanas após o tratamento).
- Eritromicina 500 mg VO 4x/dia por 21 dias (opção para gestantes).
3. Pacientes com HIV
- Mesmo esquema terapêutico.
- Monitoramento mais rigoroso, pois podem necessitar de tratamento prolongado.
Seguimento e Controle
- Reavaliação a cada 7 dias até resolução dos sintomas.
- Testes de cura não são necessários, exceto em casos sintomáticos persistentes.
- Pacientes devem evitar relações sexuais até término do tratamento.
- Parceiros sexuais nos últimos 60 dias devem ser testados e tratados para clamídia.
Complicações e Indicações Cirúrgicas
- Bubões podem recidivar após o tratamento, necessitando de drenagem.
- Casos avançados podem requerer correção cirúrgica para estenoses retais ou fístulas.
Indicações Cirúrgicas
- Estenoses retais ou obstrução intestinal.
- Fístulas anorretais persistentes.
- Destruição grave do canal anal e perineal.
Prevenção
- Uso consistente de preservativos reduz o risco.
- Triagem regular para ISTs em HSH com múltiplos parceiros.
- Educação sexual sobre reconhecimento precoce de sintomas.
- Oferecer PrEP para HIV em grupos de risco.
Conclusão
O Linfogranuloma Venéreo é uma IST re-emergente, frequentemente subdiagnosticada devido à sobreposição com outras doenças. Doxiciclina por 21 dias é o tratamento de escolha, sendo essencial a detecção precoce e triagem de parceiros para evitar complicações tardias e disseminação da infecção.
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Referências
- Sullivan B, Glaab J, Gupta RT, et al. Lymphogranuloma venereum (LGV) proctocolitis mimicking rectal lymphoma. Radiol Case Rep. 2018;13(6):1119-1122. [PMID:30792826].
- Rönn MM, Ward H. The association between lymphogranuloma venereum and HIV among men who have sex with men: systematic review and meta-analysis. BMC Infect Dis. 2011;11:70. [PMID:21418569].
- Workowski KA, Bachmann LH, Chan PA, et al. Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines, 2021. MMWR Recomm Rep. 2021;70(No. RR-4):1–187. DOI: 10.15585/mmwr.rr7004a1.