As espécies do gênero Shigella são bacilos Gram-negativos aeróbicos, pertencentes à família Enterobacteriaceae. Elas são responsáveis pela shigelose, uma doença infecciosa caracterizada por diarreia aguda, frequentemente sanguinolenta, dor abdominal, tenesmo e febre. A transmissão ocorre predominantemente por via fecal-oral, através da ingestão de alimentos ou água contaminados ou por contato direto pessoa a pessoa.
As principais espécies incluem:
- Grupo A: Shigella dysenteriae – causadora de disenteria grave.
- Grupo B: Shigella flexneri – prevalente em países de baixa e média renda.
- Grupo C: Shigella boydii – relativamente incomum.
- Grupo D: Shigella sonnei – principal causa de diarreia em países desenvolvidos (AUWAERTER, 2025).
Microbiologia
- Bacilos Gram-negativos aeróbicos, não móveis, não formadores de esporos.
- Classificação baseada no antígeno O (lipopolissacarídeo).
- Crescem bem em ágar MacConkey, EMB e Shigella-Salmonella agar.
- Altamente infecciosas: uma dose mínima de 10 a 100 organismos pode causar infecção.
- Transmissão fecal-oral, facilitada por más condições de saneamento e higiene (AUWAERTER, 2025).
Resistência Antimicrobiana
- O aumento da resistência a antibióticos é uma preocupação crescente, especialmente em regiões de alta endemicidade.
- Resistência a fluoroquinolonas e cefalosporinas de terceira geração está emergindo globalmente.
- Ceftriaxona continua sendo eficaz, mas a resistência está crescendo, especialmente na Ásia e na África.
- Shigella sonnei XDR (Extensively Drug-Resistant) foi identificada recentemente, principalmente em homens que fazem sexo com homens (MSM) e viajantes internacionais (CDC, 2023).
Epidemiologia
- Alta incidência em países de baixa renda, especialmente na África e na Ásia.
- Nos Estados Unidos, cerca de 450.000 casos por ano, com aumento de cepas multirresistentes.
- Grupos de risco incluem:
- Crianças menores de 5 anos.
- Idosos.
- Imunocomprometidos (HIV, transplantados).
- MSM e pessoas em situação de rua.
- Viajantes para regiões endêmicas.
Manifestações Clínicas
1. Gastroenterite Aguda
- Período de incubação: 1 a 4 dias.
- Sintomas iniciais:
- Diarreia abundante, evoluindo para diarreia sanguinolenta.
- Febre alta (30-80%).
- Dor abdominal intensa e tenesmo.
- Náuseas e vômitos.
- Evolução clínica:
- Inicialmente, diarreia volumosa e aquosa.
- Progressão para disenteria com sangue e muco (colite invasiva).
2. Bacteremia
- Rara, geralmente em pacientes imunossuprimidos.
- S. dysenteriae tipo 1 é a mais frequentemente envolvida.
3. Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU)
- Mais comum com S. dysenteriae tipo 1.
- Anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e insuficiência renal aguda.
- Hiponatremia pode estar presente.
4. Artrite Reativa
- Associada a S. flexneri, especialmente em indivíduos HLA-B27 positivos.
Diagnóstico
1. Cultura de Fezes
- Padrão-ouro para diagnóstico.
- Utilizar ágar MacConkey, EMB e Shigella-Salmonella agar.
- Realizar cultura nas primeiras 48 horas de sintomas para aumentar a sensibilidade.
2. Testes Moleculares
- Painéis multiplex para patógenos gastrointestinais.
- PCR para detecção rápida de Shigella e genes de resistência.
3. Diagnóstico Diferencial
- Outras causas de diarreia aguda:
- Campylobacter, Salmonella, Yersinia, E. coli enteropatogênica.
- Infecções virais (Rotavírus, Norovírus).
Tratamento
O tratamento precoce com antibióticos pode reduzir a duração da doença e a transmissão comunitária.
1. Tratamento de Primeira Linha
Condição Clínica | Medicamento | Dose | Duração |
Gastroenterite Grave | Azitromicina 500 mg VO 1x/dia | 3 dias | |
Alternativa | Ciprofloxacino 500 mg VO 2x/dia | 3 dias | |
Bacteremia | Ceftriaxona 1-2 g IV 1x/dia | 7-14 dias | |
XDR Shigella | Ertapenem 1 g IV 1x/dia | 7-14 dias |
2. Terapia de Suporte
- Hidratação vigorosa com reposição eletrolítica.
- Correção da hiponatremia.
- Zinco para crianças (<5 anos): 10-20 mg/dia para reduzir a gravidade da diarreia.
Prevenção e Controle
- Saneamento básico e higiene alimentar.
- Lavar as mãos regularmente, especialmente após usar o banheiro e antes de manipular alimentos.
- Educação em saúde sobre prevenção e reconhecimento precoce de sintomas.
- Vacinas em desenvolvimento, mas ainda não amplamente disponíveis.
Conclusão
As infecções por Shigella continuam a representar um grande desafio global devido ao aumento da resistência antimicrobiana e à alta transmissibilidade. O manejo clínico deve incluir terapia antimicrobiana adequada, suporte clínico vigoroso e medidas de prevenção eficazes para conter surtos e proteger populações vulneráveis.
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Referências
- KOTLOFF, K. L. et al. Shigellosis. The Lancet, v. 391, n. 10122, p. 801-812, 2018.
- SHANE, A. L. et al. 2017 Infectious Diseases Society of America Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis and Management of Infectious Diarrhea. Clinical Infectious Diseases, v. 65, n. 12, p. 1963-1973, 2017.
- GAUFIN, T. et al. Antimicrobial-Resistant Shigella spp. in San Diego, California, USA, 2017-2020. Emerging Infectious Diseases, v. 28, n. 6, p. 1110-1116, 2022.
- KLONTZ, K. C.; SINGH, N. Treatment of drug-resistant shigellosis. Expert Rev Anti Infect Ther., v. 13, n. 1, p. 69-80, 2015.