A Escherichia coli (E. coli) é uma bactéria Gram-negativa aeróbia da família Enterobacteriaceae. É um dos principais componentes da flora intestinal humana, podendo atuar como um comensal, um patógeno entérico ou um patógeno extraintestinal. Essa bactéria é a causa mais comum de infecções do trato urinário (ITU), meningite neonatal e diarreia do viajante. Além disso, pode estar associada a infecções intra-abdominais, sepse e pneumonias nosocomiais.
O aumento da resistência antimicrobiana, especialmente pela presença de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) e carbapenemases, tem tornado o manejo de infecções por E. coli um desafio crescente na prática clínica.
Microbiologia
A E. coli é um bacilo Gram-negativo, móvel, flagelado e não formador de esporos. Em coloração de Gram, apresenta-se como bastonetes robustos. As principais características microbiológicas incluem:
- Fermentação da lactose em 90% dos isolados;
- Produção de indol positiva em 99% dos casos;
- Catalase positiva e oxidase negativa.
Os principais mecanismos de resistência incluem:
- β-lactamases plasmidiais AmpC (e.g., CMY), que conferem resistência a cefalosporinas de primeira e segunda geração.
- β-lactamases de espectro estendido (ESBL) (e.g., CTX-M, TEM e SHV), responsáveis por resistência a cefalosporinas de terceira geração e frequentemente associadas a infecções comunitárias e nosocomiais.
- Carbapenemases (e.g., NDM, KPC e OXA-48), mais raras, mas altamente preocupantes devido à resistência a praticamente todos os β-lactâmicos.
A resistência à ESBL tem aumentado globalmente, especialmente na Ásia, onde taxas de 55–79% já foram relatadas. Na América do Norte, essas taxas são menores, mas crescentes.
Manifestações Clínicas
A E. coli pode causar uma ampla variedade de infecções, incluindo:
1. Infecções do Trato Urinário (ITU)
- E. coli é a principal causa de cistite, pielonefrite e abscesso renal.
- Mulheres jovens sexualmente ativas e idosos são os grupos mais afetados.
- As ITUs complicadas ocorrem em pacientes com anormalidades estruturais ou imunossupressão.
2. Infecções Gastrointestinais
- Enterotoxigênica (ETEC): principal causa de diarreia do viajante, associada a alimentos e água contaminados.
- Enteroinvasiva (EIEC): causa diarreia sanguinolenta semelhante à Shigella.
- Enteropatogênica (EPEC): frequentemente associada à diarreia infantil.
- Enteroagregativa (EAEC): comum em países em desenvolvimento, pode causar diarreia persistente.
- Shiga-toxigênica (STEC, incluindo O157:H7): associada a síndrome hemolítico-urêmica (SHU), uma das principais causas de insuficiência renal aguda em crianças.
3. Bacteremia e Sepse
- Secundária a ITU, infecções intra-abdominais ou de cateteres venosos centrais.
- Maior risco em idosos e imunossuprimidos.
- E. coli é uma das principais causas de sepse neonatal devido à colonização materna do canal de parto.
4. Infecções Pulmonares
- Pneumonia nosocomial em pacientes hospitalizados, frequentemente associada à ventilação mecânica.
5. Infecções de Pele e Partes Moles
- Celulites em pacientes diabéticos ou acamados com úlceras de pressão.
- Infecções pós-operatórias, especialmente em cirurgia abdominal.
6. Meningite Neonatal
- E. coli K1 é um dos principais agentes de meningite em recém-nascidos.
Diagnóstico
O diagnóstico microbiológico é essencial para guiar a terapia antimicrobiana. Os principais métodos incluem:
- Urocultura: padrão-ouro para diagnóstico de ITU.
- Hemocultura: essencial para casos de sepse e endocardite.
- Cultura de fezes: indicada em casos de diarreia sanguinolenta ou surtos epidêmicos.
- Testes moleculares (NAAT – BioFire FilmArray™): permitem a identificação rápida de patógenos entéricos.
- Teste de produção de Shiga-toxina: importante para suspeita de STEC e SHU.
Tratamento
Infecções do Trato Urinário
- Cistite não complicada:
- Primeira escolha: nitrofurantoína, trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) ou fosfomicina.
- Alternativas: fluoroquinolonas (ciprofloxacino, levofloxacino) ou β-lactâmicos orais.
- Pielonefrite ou ITU complicada:
- Opções de primeira linha: ceftriaxona, ciprofloxacino, levofloxacino.
- Se ESBL positivo: carbapenêmicos (ertapenem, meropenem).
- Se infecção por CRE (Enterobactérias resistentes a carbapenêmicos):
- Ceftazidima-avibactam, meropenem-vaborbactam, imipenem-relebactam ou cefiderocol.
Infecções Gastrointestinais
- Diarreia do viajante (ETEC): Ciprofloxacino ou rifaximina por 3 dias.
- STEC (O157:H7 ou outros produtores de toxina Shiga):
- Não usar antibióticos, pois podem aumentar o risco de SHU.
- Suporte clínico com hidratação e controle da função renal.
Bacteremia e Sepse
- ESBL negativo: ceftriaxona, cefepima ou piperacilina-tazobactam.
- ESBL positivo: meropenem ou ertapenem.
- Carbapenemase positivo: ceftazidima-avibactam, meropenem-vaborbactam ou imipenem-relebactam.
Meningite Neonatal
- Esquema empírico inicial: ampicilina + gentamicina.
- Se resistência à ampicilina: cefotaxima ou meropenem.
Conclusão
A E. coli é um patógeno versátil, responsável por diversas infecções humanas, desde ITUs simples até sepse e meningite neonatal. O aumento da resistência antimicrobiana, especialmente a ESBL e CRE, exige uma abordagem criteriosa na escolha do tratamento empírico. O uso racional de antibióticos e a vigilância epidemiológica são essenciais para conter a disseminação de cepas resistentes.
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Referências
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