A Coxiella burnetii é um bacilo Gram-negativo intracelular obrigatório, responsável pela Febre Q, uma zoonose que pode se apresentar de forma aguda ou crônica. O patógeno infecta células mononucleares e tem a capacidade de sobreviver em ambientes hostis, resistindo a calor, dessecação e desinfetantes comuns.
A Febre Q pode ser assintomática ou manifestar-se como pneumonia atípica, hepatite granulomatosa e endocardite crônica, especialmente em indivíduos com próteses valvares ou imunossupressão.
Microbiologia
Características Gerais
- Bacilo Gram-negativo intracelular obrigatório.
- Sobrevivência ambiental prolongada devido à resistência ao calor e desinfetantes.
- Infecta macrófagos e células endoteliais, levando a inflamação crônica.
Reservatórios e Modo de Transmissão
- Reservatórios principais: gado, ovelhas e cabras.
- Outros reservatórios: cães, gatos e carrapatos.
- Excreção do patógeno: fezes, urina, leite e produtos placentários de animais infectados.
- Principais vias de transmissão:
- Inalação de aerossóis contaminados (método mais comum).
- Ingestão de leite não pasteurizado.
- Transmissão por carrapatos (rara).
- Transmissão humana rara, mas possível via transplante de órgãos e autópsias.
Epidemiologia
- Doença global, mas raramente relatada nos EUA (100-175 casos/ano).
- Descrita pela primeira vez na Austrália (1937).
- Casos mais frequentes nos EUA em fazendas e áreas rurais (Califórnia, Texas, Iowa).
- Maior incidência na primavera e no verão.
Fatores de Risco
- Sexo masculino.
- Exposição a animais de fazenda.
- Trabalhadores agrícolas, veterinários, abatedores e pesquisadores laboratoriais.
- Beber leite cru.
- Viver próximo a fazendas de gado (≤10 km de distância).
Manifestações Clínicas
A Febre Q pode se apresentar de forma aguda ou crônica, com evolução para endocardite e infecções vasculares em casos graves.
1. Febre Q Aguda
- Período de incubação: 7 a 32 dias (média de 18 dias).
- Infecção assintomática em até 60% dos casos.
- Manifestações clínicas:
- Síndrome gripal → febre alta, calafrios, mialgia intensa.
- Pneumonia atípica → tosse seca, infiltrados inespecíficos, podendo evoluir para SDRA.
- Hepatite granulomatosa → hepatomegalia, elevação de transaminases.
- Cefaleia intensa → associada a fotofobia (pode simular meningite).
- Rash maculopapular ou purpúrico (em 5-21% dos casos).
2. Febre Q Crônica
- Ocorre em 1-5% dos pacientes infectados.
- Manifestações principais:
- Endocardite de cultura negativa → afeta principalmente válvulas protéticas e congênitas.
- Infecções vasculares → aneurismas infectados, endarterite.
- Hepatite crônica e osteomielite (casos raros).
3. Febre Q na Gravidez
- Alto risco de aborto, restrição de crescimento fetal e parto prematuro.
- Transmissão vertical documentada.
- Tratamento durante a gestação reduz complicações.
Diagnóstico
1. Sorologia (Padrão-Ouro)
- Imunofluorescência indireta (IFA):
- IgG anti-Fase II → indica infecção aguda.
- IgG anti-Fase I ≥ 1:800 → indica infecção crônica.
2. PCR
- Teste mais sensível nas primeiras 2 semanas.
- Indicado para casos suspeitos de endocardite e infecções vasculares.
3. Cultura
- Altamente perigosa (nível de biossegurança BSL-3).
- Não utilizada na prática clínica.
4. Exames Complementares
- Hemograma → trombocitopenia comum.
- Função hepática → aumento de transaminases (>50% dos casos).
- Ecocardiograma transesofágico (ETE) → necessário para avaliar endocardite crônica.
Tratamento
1. Febre Q Aguda
- Primeira linha:
- Doxiciclina 100 mg VO 12/12h por 14 dias (tratamento precoce reduz complicações).
- Alternativas:
- Levofloxacino ou Moxifloxacino.
- Azitromicina ou Claritromicina + Rifampicina (casos selecionados).
- Gestantes:
- TMP-SMX 160/800 mg VO 12/12h até o parto.
2. Febre Q Crônica
- Endocardite e Infecções Vasculares:
- Doxiciclina 100 mg VO 12/12h + Hidroxicloroquina 200 mg VO 8/8h.
- Duração: ≥18 meses (até titulação de IgG Fase I <1:200).
- Infecções Hepáticas e Ósseas:
- Esquema semelhante ao da endocardite.
- Duração prolongada (>1 ano).
Prevenção
- Pasteurização de leite → previne transmissão alimentar.
- Uso de máscaras e proteção ocular em laboratórios e fazendas.
- Manejo seguro de placentas e fluidos animais contaminados.
- Vacinação (Q-Vax, disponível apenas na Austrália):
- Indicado para veterinários, trabalhadores de abatedouros e fazendeiros.
- Efeito protetor dura aproximadamente 5 anos.
Profilaxia Pós-Exposição
- Doxiciclina 100 mg VO 12/12h por 5-7 dias.
- Indicada apenas em suspeita de bioterrorismo ou surtos documentados.
Conclusão
A Febre Q é uma zoonose global subdiagnosticada, capaz de causar pneumonia atípica, hepatite granulomatosa e endocardite crônica. O diagnóstico depende de sorologia e PCR, e o tratamento precoce com doxiciclina reduz complicações. A prevenção envolve controle da exposição animal, pasteurização de laticínios e vacinação em populações de risco.
📚 Isso foi só um aperitivo. No App do InfectoCast tem conteúdo aprofundado, confiável e sempre atualizado pra quem vive a medicina de verdade.
📲 Baixe agora e eleve seu raciocínio clínico.
Referências
- Eldin C, Mélenotte C, Mediannikov O, et al. From Q Fever to Coxiella burnetii Infection: a Paradigm Change. Clin Microbiol Rev. 2017.
2. Anderson A, Bijlmer H, Fournier PE, et al.Diagnosis and Management of Q fever—United States, 2013. MMWR Recomm Rep. 2013.