Actinomicose

Actinomyces spp. são bacilos Gram-positivos filamentosos que fazem parte da microbiota normal da cavidade oral, trato gastrointestinal e geniturinário. No entanto, quando há uma ruptura da barreira mucosa devido a trauma, cirurgia ou dispositivos médicos, essas bactérias podem causar infecções indolentes, frequentemente confundidas com tumores devido à sua progressão lenta e capacidade de invadir tecidos adjacentes sem respeitar limites anatômicos.

Microbiologia

Actinomyces spp. são bacilos Gram-positivos delgados e ramificados, microaerofílicos, que crescem melhor em condições anaeróbicas. São organismos fastidiosos, de difícil crescimento em cultura. As principais espécies envolvidas em infecções humanas incluem:

  • A. israelii (mais comum)
  • A. naeslundii
  • A. odontolyticus
  • A. viscosus
  • A. meyerii
  • A. gerencseriae

A infecção por Actinomyces raramente ocorre isoladamente; geralmente faz parte de infecções mistas, incluindo Eikenella corrodens, Bacteroides spp., Staphylococcus aureus, Streptococcus spp., Aggregatibacter actinomycetemcomitans e Fusobacterium spp. (Fabre, 2025).

Manifestações Clínicas

A actinomicose pode afetar múltiplos sítios anatômicos. Suas principais formas clínicas são:

1- Orocervicofacial (“lumpy jaw”)

  • Forma mais comum
  • Associada a má higiene oral, etilismo e tabagismo
  • Caracterizada por edema firme, drenagem de material purulento com “grânulos de enxofre”

2- Torácica

  • Resultante de aspiração ou disseminação hematogênica
  • Pode causar pneumonia, abscesso pulmonar ou fístulas para a parede torácica

3- Abdominopélvica

  • Associada a procedimentos cirúrgicos e infecções intra-abdominais
  • A forma pélvica é classicamente associada ao uso prolongado de dispositivos intrauterinos (DIU)

4- Musculoesquelética e Óssea

  • Pode causar osteomielite e abscessos em tecidos profundos

5- Neurológica

  • Envolvimento raro, com formação de abscessos cerebrais

As infecções são frequentemente confundidas com neoplasias, dada a natureza granulomatosa e a capacidade de infiltração em tecidos adjacentes (Wong et al., 2011).

Diagnóstico

O diagnóstico de actinomicose é desafiador, pois o crescimento em cultura é difícil. O diagnóstico geralmente se baseia em:

  • Histopatologia: Identificação de bacilos Gram-positivos ramificados e presença de “grânulos de enxofre”
  • Imagem: Lesões que cruzam planos teciduais podem sugerir o diagnóstico
  • Cultura: Difícil, devido ao crescimento lento e necessidade de anaerobiose rigorosa

O principal diagnóstico diferencial é com Nocardia spp., que se diferencia pela coloração ácido-resistente fraca (AFB) positiva e associação com imunossupressão.

Tratamento

O tratamento da actinomicose requer cursos prolongados de antibióticos, geralmente com penicilina G como terapia de escolha. O esquema clássico inclui:

1- Penicilina G

  • 18-24 milhões de unidades/dia IV por 2-6 semanas
  • Seguida de amoxicilina 500-750 mg VO TID/QID por 6-12 meses

2- Alternativas para pacientes alérgicos ou intolerantes:

  • Doxiciclina 100 mg BID (2-6 semanas IV, seguido de 6-12 meses VO)
  • Eritromicina 500 mg QID por 6-12 meses
  • Clindamicina, ceftriaxona, imipenem são opções, mas com menos evidência clínica

O metronidazol não é ativo contra Actinomyces, o que confirma que esses organismos não são verdadeiros anaeróbios obrigatórios (Steininger & Willinger, 2016).

Terapia Cirúrgica

A cirurgia é reservada para casos de:

  • Diagnóstico inconclusivo (suspeita de neoplasia)
  • Lesões volumosas ou em áreas críticas (ex: SNC)
  • Falha no tratamento antimicrobiano

Considerações Finais

A actinomicose é uma infecção subdiagnosticada, muitas vezes confundida com tumores ou infecções piogênicas comuns. O reconhecimento precoce e a instituição de um tratamento antimicrobiano prolongado são essenciais para evitar complicações graves. Apesar dos desafios diagnósticos e terapêuticos, a maioria dos pacientes responde bem ao tratamento adequado.

Referências

  1. Wong VK, Turmezei TD, Weston VC. Actinomycosis. BMJ. 2011;343:d6099. DOI: 10.1136/bmj.d6099.
  2. Steininger C, Willinger B. Resistance patterns in clinical isolates of pathogenic Actinomyces species. J Antimicrob Chemother. 2016;71(2):422-7. DOI: 10.1093/jac/dkv342.
  3. Skuhala T, Vukelić D, Desnica B, et al. Unusual presentations of actinomycosis: a case series and literature review. J Infect Dev Ctries. 2021;15(6):892-896. DOI: 10.3855/jidc.13421.
  4. Moskowitz SM, Shailam R, Mark EJ. Case records of the Massachusetts General Hospital: Case 25-2015. N Engl J Med. 2015;373(7):657-67. DOI: 10.1056/NEJMcpc1415273.

Posts Relacionados

Aggregatibacter spp:

Acinetobacter baumannii

Espécies de Achromobacter

Norfloxacino

O norfloxacino é uma fluoroquinolona eficaz no tratamento de infecções urinárias e prostatite bacteriana, mas seu uso tem sido reduzido devido ao aumento da resistência bacteriana e aos riscos de efeitos adversos graves. Deve ser reservado para casos específicos, quando opções mais seguras não estiverem disponíveis.

Moxifloxacino

O moxifloxacino é uma fluoroquinolona de amplo espectro, eficaz no tratamento de infecções respiratórias, intra-abdominais e oftálmicas. No entanto, devido ao risco de efeitos adversos graves, seu uso deve ser reservado para casos específicos.

Levofloxacino

O levofloxacino é uma fluoroquinolona eficaz para infecções respiratórias, urinárias e sistêmicas, mas seu uso deve ser cauteloso devido a efeitos adversos graves.