
A endoftalmite é uma infecção grave do globo ocular, com potencial para causar cegueira e até perda do olho. Embora sua incidência seja baixa, os impactos clínicos e institucionais são elevados. Por isso, a vigilância da endoftalmite deve fazer parte da rotina estratégica do SCIH — não apenas como resposta reativa a surtos, mas como política de prevenção e melhoria contínua.
Em um conteúdo anterior, vimos quando e como coletar amostras oculares para a microbiologia. Neste artigo, abordamos como estruturar um sistema de vigilância ativo e funcional, desde a detecção de casos até a resposta institucional e notificação aos órgãos de saúde.
Por que endoftalmite merece vigilância específica?
- A cirurgia de catarata é um dos procedimentos mais realizados no SUS e em clínicas privadas;
- Pequenas falhas em antissepsia, reprocessamento ou diluição de colírios podem causar surtos silenciosos;
- Casos iniciais podem ser subnotificados ou tratados como “complicações naturais”;
- Instituições que não têm sistema de vigilância ativa demoram a perceber padrões de falha.
Etapas para estruturar a vigilância da endoftalmite
1. Definição de caso para notificação
É fundamental que a instituição tenha critérios claros para identificar e registrar casos suspeitos. A recomendação da Anvisa define como caso suspeito de endoftalmite todo paciente com:
- Queixa de dor ocular intensa,
- Redução súbita da acuidade visual,
- Hiperemia conjuntival difusa,
- Hipópio ou turvação vítrea,
- Dentro de até 30 dias de procedimento intraocular.
Mesmo que o diagnóstico não seja confirmado microbiologicamente, o caso deve ser investigado e registrado.
2. Criação de fluxo de notificação interna
Estabeleça um fluxo claro que envolva:
- Profissional assistencial (médico ou enfermagem) que identifica sinais clínicos;
- Comunicação ao SCIH;
- Avaliação conjunta com oftalmologia e início da investigação.
O ideal é que os setores de centro cirúrgico, centro oftalmológico e enfermarias tenham acesso fácil a esse fluxo — via formulário digital, intranet ou cartaz explicativo.
3. Construção de formulário padronizado
O SCIH deve utilizar uma ficha padronizada de investigação, baseada no modelo da Anvisa. Essa ficha deve conter:
- Dados do paciente;
- Data do procedimento e data do início dos sintomas;
- Tipo de procedimento e lente utilizada;
- Equipe envolvida;
- Medicamentos e soluções utilizadas;
- Lotes e rastreabilidade de materiais;
- Achados clínicos e laboratoriais.
Esse instrumento é essencial para identificar padrões em surtos ou falhas pontuais.
4. Vigilância ativa de pós-operatório
A maioria das complicações ocorre após a alta ambulatorial. Por isso, a vigilância não pode terminar na sala cirúrgica. A instituição deve:
- Realizar ligações de follow-up com os pacientes após 48–72h da cirurgia;
- Criar um canal de retorno ágil (telefone ou WhatsApp institucional) para queixas visuais;
- Registrar todos os retornos pós-operatórios precoces com sintomas.
Esse contato permite identificar sinais precoces e agir rapidamente.
5. Integração com o laboratório
O laboratório clínico precisa estar orientado para:
- Coletar e processar pequenas amostras (como humor vítreo e aquoso);
- Utilizar meios específicos de cultura para bactérias e fungos;
- Realizar PCR, quando disponível.
O SCIH deve manter diálogo próximo com o laboratório para interpretar os resultados e tomar decisões clínicas e epidemiológicas.
6. Análise de causalidade e rastreabilidade
A ficha de investigação deve permitir:
- Identificar insumos comuns (campo estéril, cânula, colírio, lente intraocular);
- Cruzar informações com outros casos do mesmo dia;
- Avaliar presença de falha no CME (ex: lote de esterilização);
- Verificar lote de medicamentos e nome da equipe assistencial.
Essa análise é o primeiro passo para interromper a cadeia de contaminação e evitar novos casos.
7. Discussão com a equipe e plano de ação
Uma vigilância efetiva não se limita à coleta de dados. O SCIH deve:
- Apresentar os achados à equipe de oftalmologia, CME e gestão;
- Realizar reuniões de análise crítica dos eventos;
- Propor planos de ação com prazos e responsáveis;
- Registrar as ações implementadas e seus desdobramentos.
8. Notificação à autoridade sanitária
Casos isolados devem ser registrados internamente.
Casos múltiplos ou com suspeita de contaminação cruzada devem ser notificados à Vigilância Sanitária. A Anvisa disponibiliza um formulário eletrônico específico para isso, além do Protocolo de Investigação de Surtos.
Boas práticas complementares
- Mantenha o SCIH presente nas reuniões clínicas do centro oftalmológico;
- Atualize POPs e protocolos assistenciais com base nas análises dos casos;
- Inclua o tema “infecções pós-cirúrgicas oculares” nos treinamentos periódicos;
- Utilize indicadores de processo (percentual de pacientes com antissepsia correta, uso de insumos estéreis etc.) como forma de prevenção contínua.
Conclusão
A vigilância da endoftalmite deve ser proativa, sistematizada e integrada.
Ela vai muito além da simples notificação: envolve fluxo estruturado, coleta de dados robusta, análise crítica e implementação de medidas corretivas.
Trata-se de uma ferramenta poderosa de segurança do paciente e proteção institucional.
Quando bem executada, evita surtos, reduz danos e fortalece a cultura da qualidade.
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