O Vibrio cholerae é um bacilo Gram-negativo em forma de vírgula, aeróbico e altamente móvel, pertencente à família Vibrionaceae. Ele é responsável pela cólera, uma infecção gastrointestinal aguda e grave que causa diarreia aquosa profusa e desidratação rápida, frequentemente descrita como “fezes em água de arroz”. A transmissão ocorre principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados, especialmente em regiões com saneamento precário (AUWAERTER, 2025).
Microbiologia
- Bacilo Gram-negativo em forma de vírgula.
- Aeróbico e móvel, possuindo flagelo polar.
- Cresce bem em ágar TCBS (tiossulfato-citrato-bile-sais), produzindo colônias amareladas.
- Serogrupos principais:
- O1: associado a pandemias e epidemias.
- Subgrupos: Clássico (raro) e El Tor (endêmico em diversas regiões).
- O139: identificado na Ásia em 1992, atualmente endêmico.
- O1: associado a pandemias e epidemias.
- Produção de toxina colérica (CT): principal fator de virulência, responsável pelo aumento da secreção intestinal de eletrólitos e água.
Resistência Antimicrobiana
- Resistência crescente a antibióticos:
- Ampicilina, tetraciclina, aminoglicosídeos, sulfonamidas, fluoroquinolonas e trimetoprima.
- Multirresistência (MDR) e resistência extensiva (XDR) relatadas, especialmente na Ásia.
Epidemiologia
A cólera continua sendo uma doença endêmica e epidêmica global, especialmente em áreas com saneamento inadequado e acesso limitado à água potável.
- Áreas endêmicas principais:
- África: altas taxas de mortalidade.
- Sudeste Asiático: incluindo Bangladesh e Índia.
- América Latina: especialmente após o surto no Haiti em 2010.
- Regiões costeiras e estuários: ambiente favorável para a sobrevivência.
Fatores de Risco
- Baixas condições de saneamento e higiene.
- Consumo de água não tratada ou alimentos contaminados.
- Catástrofes naturais (como enchentes) que comprometem o abastecimento hídrico.
- Populações vulneráveis:
- Pacientes com hipocloridria (redução da acidez gástrica).
- Indivíduos com grupo sanguíneo O.
- Pessoas com doenças crônicas.
Manifestações Clínicas
A apresentação clínica da cólera pode variar de infecções assintomáticas a formas graves com desidratação intensa e choque hipovolêmico.
1. Diarreia Aquosa Profusa
- Fezes em água de arroz: volume elevado, aparência clara com muco.
- Ausência de febre, pois a doença é mediada por toxina.
- Desidratação grave:
- Turgor cutâneo reduzido.
- Hipotensão, taquicardia.
- Olhos encovados e mucosas secas.
2. Choque Hipovolêmico
- Evolução rápida para coma e morte se não tratada.
- Mortalidade pode chegar a 50% sem reidratação adequada.
3. Formas Leves a Moderadas
- Cerca de 80-90% dos casos são leves e podem passar despercebidos.
Diagnóstico
1. Exames Laboratoriais
- Cultura de fezes em ágar TCBS: método padrão.
- Testes rápidos (PCR e imunocromatografia): utilizados em contextos epidêmicos.
- Teste Crystal VC®: teste rápido para ambientes com poucos recursos.
- Painel Biofire FilmArray™ GI: útil para diagnóstico molecular.
2. Diagnósticos Diferenciais
- Gastroenterites bacterianas e virais:
- Escherichia coli (ETEC), Salmonella spp., Shigella spp., Campylobacter spp.
- Protozoários: Giardia lamblia, Cryptosporidium.
Tratamento
A reidratação é a base do tratamento. A reposição rápida de água e eletrólitos é crucial para evitar choque hipovolêmico.
1. Reidratação
- Solução Oral de Reidratação (SOR):
- Composição padrão:
- 2,6 g de cloreto de sódio.
- 2,9 g de citrato de sódio.
- 1,5 g de cloreto de potássio.
- 13,5 g de glicose por litro de água.
- Reposição intravenosa com Ringer lactato para casos graves.
- Composição padrão:
- Terapia de Manutenção:
- Oral ou IV conforme necessário.
2. Antibióticos (casos graves ou moderados)
- Doxiciclina (300 mg VO, dose única).
- Azitromicina (1 g VO, dose única): alternativa eficaz.
- Ciprofloxacino (1 g VO, dose única).
- Tetraciclina (500 mg VO 4x/dia): efetiva em muitos casos.
- Eritromicina (250 mg VO 4x/dia por 5 dias): especialmente em gestantes.
3. Suplementação de Zinco
- 10-20 mg/dia em crianças para reduzir a duração da diarreia.
Prevenção
- Saneamento básico adequado e água potável segura.
- Vacinação oral:
- Dukoral®, Shanchol®, Euvichol-Plus®: vacinas orais aprovadas pela OMS.
- Eficácia de 60-67% por até 3 anos com duas doses.
- Medidas de higiene pessoal e alimentar:
- Higienização das mãos com sabão.
- Cozimento adequado dos alimentos.
- Desinfecção da água (fervura ou uso de cloro).
Prognóstico
Com tratamento adequado, a taxa de mortalidade pode ser reduzida para menos de 1%. No entanto, em áreas com recursos limitados e ausência de cuidados, a mortalidade pode ultrapassar 50%.
Conclusão
A cólera continua a ser um desafio global, especialmente em regiões com infraestrutura inadequada e recursos limitados. A prevenção é fundamental para reduzir a disseminação, e o tratamento adequado com reidratação e antibióticos pode salvar vidas. Estratégias de vacinação e educação em saúde são cruciais para o controle efetivo da doença.
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Referências
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Cholera Fact Sheet. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/cholera. Acesso em: 18 mar. 2025.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Cholera – Vibrio cholerae Infection. Disponível em: https://www.cdc.gov/cholera/general/index.html. Acesso em: 18 mar. 2025.
SHANE, A. L. et al. Infectious Diseases Society of America Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis and Management of Infectious Diarrhea. Clin Infect Dis. 2017;65(12):1963-1973. [PMID:29194529].
WONG, K. K. et al. Recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices for Use of Cholera Vaccine. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2017;66(18):482-485. [PMID:28493859].