O Tropheryma whipplei é uma bactéria Gram-positiva pleomórfica, causadora da Doença de Whipple (DW), uma condição rara e potencialmente fatal que afeta principalmente o trato gastrointestinal, mas que pode se manifestar em diversos órgãos e sistemas, incluindo o sistema nervoso central (SNC), articulações e o coração. O agente etiológico foi identificado pela primeira vez em 1907 e somente mais tarde foi classificado como uma bactéria pela análise de sequenciamento de rDNA 16S, evidenciando uma relação distante com os actinomicetos (AUWAERTER, 2025).
Microbiologia
- Bactéria Gram-positiva de morfologia pleomórfica.
- Possui uma membrana trilaminar característica observada por microscopia eletrônica.
- Difícil cultivo, geralmente detectada por PCR ou técnicas de imunohistoquímica.
- Reservatório ambiental: encontrada em solos e esgotos.
- Transmissão: acredita-se que ocorra por via oral, associada a contaminação ambiental.
- Carregadores assintomáticos são comuns, com prevalência sorológica de até 50% em certas populações (França).
Epidemiologia
A T. whipplei é um patógeno raro, com uma estimativa de menos de 1 caso por milhão de habitantes ao ano. A infecção acomete predominantemente homens brancos de meia-idade ou idosos (relação masculino/feminino de 8:1), especialmente aqueles que vivem em áreas rurais (AUWAERTER, 2025).
Estudos sugerem uma predisposição genética relacionada ao fator de transcrição IRF4, responsável por um defeito imunológico que predispõe ao desenvolvimento da doença (GUÉRIN et al., 2018).
Manifestações Clínicas
A doença pode se apresentar de forma crônica clássica ou como uma infecção aguda. As manifestações variam conforme o órgão envolvido:
1. Doença Clássica (Crônica)
- Gastrointestinal (90%):
- Perda de peso, diarreia crônica, dor abdominal e desnutrição.
- Esteatorreia e hipoproteinemia.
- Articular (80%):
- Poliartrite migratória e intermitente, geralmente não erosiva.
- Frequentemente confundida com artrite reumatoide.
- Neurológica (30%):
- Alterações cognitivas, ataxia, oftalmoplegia e convulsões.
- Cardíaca:
- Endocardite de cultura negativa.
- Outras:
- Linfadenopatia (55%) e hiperpigmentação cutânea (40%).
2. Infecção Aguda
- Bacteremia, pneumonia, gastroenterite aguda.
- Diarreia e febre podem ser os principais sintomas.
Diagnóstico
1. Histopatológico
- Biópsia duodenal com coloração de PAS (ácido periódico de Schiff): revela macrófagos espumosos contendo material corado por PAS.
- Microscopia eletrônica: visualização de uma membrana trilaminar.
2. PCR
- PCR de fluidos corporais (LCR, sangue, líquor): método mais sensível e específico.
- PCR na urina pode ser útil para monitorar a resposta ao tratamento.
3. Imuno-histoquímica
- Anti-T. whipplei: aumenta a sensibilidade em casos de coloração PAS negativa.
Tratamento
O tratamento deve ser instituído precocemente para evitar complicações graves e morte.
1. Terapia de Indução
- Ceftriaxona 2 g IV a cada 12 horas por 14 dias.
- Alternativa: Meropenem 2 g IV a cada 8 horas por 14 dias.
2. Terapia de Manutenção (mínimo 12 meses)
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia + Hidroxicloroquina 200 mg VO 3x/dia.
- Duração: 12 a 18 meses.
- Monitorização neurológica contínua para detectar recidivas.
3. Terapia para Doença com Envolvimento do SNC
- Ceftriaxona 2 g IV a cada 12 horas por 14 dias seguida de doxiciclina + hidroxicloroquina.
- Adição de corticosteroides pode ser considerada nos casos com resposta inflamatória exacerbada (IRIS).
4. Profilaxia a Longo Prazo
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia para evitar recidivas, especialmente em casos com envolvimento neurológico.
Prognóstico
A taxa de mortalidade pode chegar a 30-40% se não tratada. A melhora clínica geralmente ocorre em 2 a 3 semanas, mas recidivas são comuns, especialmente em pacientes com envolvimento do SNC ou quando o tratamento é interrompido precocemente.
Recidiva e IRIS (Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imunológica)
- IRIS pode ocorrer durante o tratamento, apresentando febre persistente e artrite. A abordagem pode incluir o uso de corticosteroides (prednisona 1,5 mg/kg/dia).
Prevenção e Controle
- Profilaxia com antibióticos em indivíduos com histórico prévio de Doença de Whipple.
- Monitoramento periódico com PCR para detectar possíveis recidivas.
Conclusão
A Doença de Whipple é uma infecção rara e potencialmente fatal causada pelo Tropheryma whipplei. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são essenciais para melhorar o prognóstico, especialmente nas manifestações com envolvimento neurológico. A combinação de ceftriaxona seguida de doxiciclina e hidroxicloroquina é o regime terapêutico recomendado, com manutenção prolongada para prevenir recidivas.
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Referências
GUÉRIN, A.; KERNER, G.; MARR, N. IRF4 haploinsufficiency in a family with Whipple’s disease. Elife, v. 7, 2018. [PMID:29537367].
LAGIER, J. C.; FENOLLAR, F.; LEPIDI, H. Treatment of classic Whipple’s disease: from in vitro results to clinical outcome. J Antimicrob Chemother, v. 69, n. 1, p. 219-27, 2014. [PMID:23946319].
RAOULT, D.; BIRG, M. L.; LA SCOLA, B. Cultivation of the bacillus of Whipple’s disease. N Engl J Med, v. 342, n. 9, p. 620-5, 2000. [PMID:10699161].
FENOLLAR, F.; RAOULT, D. Tropheryma whipplei and Whipple’s disease. J Infect, v. 69, n. 2, p. 103-12, 2014. [PMID:24877762].