As bactérias do gênero Leptospira são espiroquetas Gram-negativas aeróbicas, pertencentes à família Leptospiraceae. São responsáveis por causar leptospirose, uma doença zoonótica amplamente disseminada em regiões tropicais e subtropicais. A infecção ocorre principalmente através do contato com água ou solo contaminados por urina de animais infectados, sendo os roedores os principais reservatórios. A leptospirose é considerada uma importante doença ocupacional e ambiental, especialmente em atividades agrícolas, industriais e recreativas (AUWAERTER, 2025).
Microbiologia
- Bacilos espiralados móveis (espiroquetas).
- Gram-negativos, com extremidades em forma de gancho.
- Aeróbicos obrigatórios, com crescimento lento.
- Sobrevivem em ambientes aquáticos e úmidos, mas não se multiplicam fora do hospedeiro.
- Classificação:
- Mais de 20 espécies patogênicas.
- Divididas em mais de 300 sorovares.
- As espécies mais relevantes incluem:
- L. interrogans
- L. borgpetersenii
- L. kirschneri
- L. noguchii
- L. weilii
- L. santarosai
- L. mayottensis
Epidemiologia
A leptospirose é uma doença mundial, com alta incidência em regiões tropicais e subtropicais. Estima-se que ocorram cerca de 1 milhão de casos anuais, com aproximadamente 60.000 óbitos. Nos Estados Unidos, a doença é considerada endêmica em Havaí e Porto Rico, com cerca de 100-200 casos relatados por ano (AUWAERTER, 2025).
Fatores de Risco
- Exposição ocupacional:
- Trabalhadores rurais (agricultura, pecuária).
- Profissionais de esgoto e coleta de lixo.
- Veterinários e trabalhadores de abatedouros.
- Exposição ambiental:
- Enchentes e inundações.
- Práticas recreativas em águas contaminadas (triatlo, canoagem, pesca).
- Contato com animais:
- Roedores (ratos), cães, suínos, bovinos e outros mamíferos.
Patogênese
Após a penetração da bactéria por meio de pele ou mucosas, a Leptospira se dissemina pela corrente sanguínea, afetando diversos órgãos, incluindo fígado, rins, pulmões e sistema nervoso central. A resposta inflamatória intensa pode resultar em lesão endotelial e vascular, levando a manifestações clínicas graves.
Manifestações Clínicas
A apresentação clínica é extremamente variável, indo de formas leves e autolimitadas a quadros graves e fatais. A doença pode ser dividida em duas fases:
1. Fase Inicial (Septicêmica ou Aguda)
- Duração: 3 a 7 dias.
- Sintomas:
- Febre alta, calafrios.
- Cefaleia intensa, frequentemente retro-orbitária.
- Mialgia (particularmente em panturrilhas e região lombar).
- Náuseas, vômitos e diarreia.
- Conjuntivite com sufusão conjuntival (hiperemia sem exsudato).
- Achados laboratoriais:
- Leucocitose com desvio à esquerda.
- Trombocitopenia.
- Elevação de transaminases e bilirrubina.
2. Fase Imune (ou Weil)
- Duração: 4 a 30 dias.
- Manifestações:
- Icterícia intensa.
- Insuficiência renal aguda (IRA).
- Hemorragias difusas (pulmonares e gastrointestinais).
- Meningite asséptica.
- Lesões pulmonares hemorrágicas (Síndrome de Hemorragia Pulmonar Aguda – SHPA).
- Complicações graves:
- Síndrome de Weil: caracterizada por icterícia, insuficiência renal e hemorragias.
- Mortalidade elevada (10-15%).
Diagnóstico
1. Métodos Diretos
- Microscopia de Campo Escuro (MCE):
- Visualização direta de espiroquetas em sangue ou urina.
- PCR (Reação em Cadeia da Polimerase):
- Alta sensibilidade e especificidade.
- Detecta DNA de Leptospira em sangue ou urina.
2. Métodos Indiretos
- Testes Sorológicos (MAT – Teste de Aglutinação Microscópica):
- Padrão-ouro para diagnóstico.
- Soroconversão ou aumento de quatro vezes no título entre as fases aguda e convalescente.
- ELISA IgM:
- Sensível na fase tardia da infecção.
Tratamento
O tratamento precoce é crucial para reduzir a mortalidade.
1. Casos Leves a Moderados
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 7 dias.
- Amoxicilina 500 mg VO 3x/dia por 7 dias.
2. Casos Graves (Weil ou Hemorragia Pulmonar)
- Penicilina G 1,5 milhões UI IV a cada 6 horas por 7 dias.
- Ceftriaxona 1 g IV a cada 24 horas por 7 dias.
- Cefotaxima 1 g IV a cada 8 horas por 7 dias.
- Doxiciclina 100 mg IV a cada 12 horas (alternativa).
3. Profilaxia para Exposição de Alto Risco
- Doxiciclina 200 mg VO semanalmente (ex: trabalhadores expostos ou atividades ao ar livre).
Prevenção e Controle
- Uso de equipamentos de proteção individual (EPI) para trabalhadores em risco.
- Vacinação de animais domésticos, especialmente cães.
- Controle de roedores em áreas urbanas e rurais.
- Educação pública sobre práticas de higiene e cuidados com água e alimentos.
Conclusão
A leptospirose continua sendo um desafio de saúde pública em diversas regiões tropicais e subtropicais, especialmente após enchentes e em áreas de saneamento precário. A detecção precoce e o tratamento imediato são fundamentais para reduzir a morbidade e a mortalidade associadas às formas graves da doença. Medidas preventivas e controle de reservatórios animais são essenciais para limitar a disseminação da infecção.
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Referências
FORBES, A. E.; ZOCHOWSKI, W. J.; DUBREY, S. W.; et al. Leptospirosis and Weil’s disease in the UK. QJM, v. 105, n. 12, p. 1151-62, 2012.
PETAKH, P.; ROSTOKA, L.; ISEVYCH, V.; et al. Identifying risk factors and disease severity in leptospirosis: A meta-analysis of clinical predictors. Trop Doct., v. 53, n. 4, p. 464-469, 2023.