A Neisseria gonorrhoeae (N. gonorrhoeae), também conhecida como gonococo, é um diplococo Gram-negativo, causador da gonorreia, uma das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) mais comuns no mundo. Nos Estados Unidos, é a segunda IST bacteriana mais notificada, com mais de 580.000 casos relatados anualmente.
Além da infecção urogenital, N. gonorrhoeae pode causar infecções extragenitais (retal, faríngea, ocular) e doença disseminada, levando a complicações como artrite gonocócica e endocardite.
Microbiologia
- Diplococo Gram-negativo, oxidase e catalase positivo.
- Possui cápsula frouxa e fímbrias (pili):
- Facilitam adesão às células epiteliais e evasão imunológica.
- Variabilidade antigênica permite evadir resposta imune.
- Cresce melhor em meios enriquecidos:
- Ágar chocolate ou Thayer-Martin, com antibióticos seletivos para inibir flora comensal.
Transmissão
- Contato sexual (vaginal, anal ou oral).
- Transmissão perinatal (conjuntivite gonocócica neonatal).
- Infecção geralmente se limita a mucosas compostas por epitélio colunar (uretra, endocérvice, conjuntiva).
Epidemiologia e Fatores de Risco
- Populações de risco:
- Jovens entre 15-29 anos.
- Homens que fazem sexo com homens (HSH).
- Histórico prévio de IST.
- Múltiplos parceiros sexuais.
- Trabalho sexual.
- Gonorreia é frequentemente subdiagnosticada:
- Muitos casos são assintomáticos ou confundidos com outras ISTs.
Manifestações Clínicas
1. Infecção Urogenital
Homens:
- Uretrite gonocócica:
- Corrimento uretral purulento e disúria.
- 25% são assintomáticos.
- Complicações:
- Epididimite (dor testicular e inflamação).
- Estreitamento uretral (estenose) em infecções recorrentes.
Mulheres:
- Cervicite:
- Corrimento mucopurulento e sangramento intermenstrual.
- Até 50% das infecções são assintomáticas.
- Doença Inflamatória Pélvica (DIP):
- Febre, dor pélvica, dispareunia.
- Pode levar à infertilidade e gravidez ectópica.
- Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (perihepatite):
- Dor no hipocôndrio direito, frequentemente confundida com colecistite.
2. Infecções Extragenitais
- Proctite gonocócica:
- Ocorre em HSH e mulheres heterossexuais.
- Pode ser assintomática ou apresentar prurido anal e secreção mucopurulenta.
- Faringite gonocócica:
- Quadro semelhante a faringite estreptocócica.
- Até 90% são assintomáticas.
- Conjuntivite gonocócica:
- Secreção ocular purulenta intensa.
- Em neonatos: oftalmia gonocócica, adquirida no parto.
3. Doença Gonocócica Disseminada (DGI)
- 0,5-3% dos casos de gonorreia.
- Manifestações:
- Lesões cutâneas necrotizantes.
- Poliartralgia migratória e tenossinovite.
- Artrite séptica gonocócica:
- Predileção por joelhos, tornozelos e punhos.
- Hemoculturas são positivas em 50% dos casos.
- Fatores de risco para DGI:
- Mulheres, menstruação recente, gravidez.
- Deficiência do complemento (C5-C9).
- Uso de eculizumab (risco aumentado de DGI e N. meningitidis).
Diagnóstico
1. Gram e Cultura
- Gram de secreção uretral (homens sintomáticos):
- Diplococos Gram-negativos intracelulares em PMNs confirmam diagnóstico.
- Sensibilidade de 95-98% em uretrite masculina.
- Cultura:
- Útil para teste de suscetibilidade antimicrobiana.
- Indicado em casos de falha terapêutica ou abuso sexual.
2. Testes Moleculares (NAAT – Padrão-Ouro)
- Alta sensibilidade e especificidade.
- Indicado para triagem em todas as populações de risco.
- Amostras:
- Mulheres: Swab endocervical ou vaginal (urina é menos sensível).
- Homens: Urina (primeiro jato) ou swab uretral.
- Infecções extragenitais: Swab retal e faríngeo (necessário validação laboratorial).
3. Teste de Cura
- Não é necessário para infecção urogenital ou retal tratada corretamente.
- Obrigatório para faringite gonocócica (14 dias após tratamento).
Tratamento
Devido à resistência antimicrobiana crescente, os esquemas foram modificados pelo CDC em 2020.
1. Gonorreia Não Complicada (Uretra, Cérvice, Reto)
- Ceftriaxona 500 mg IM dose única.
- Se >150 kg, aumentar para 1 g IM.
- Se coinfecção com Chlamydia trachomatis não foi descartada, adicionar:
- Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia por 7 dias.
- Em gestantes: Azitromicina 1 g VO dose única.
2. Alternativas para Alergia a Cefalosporinas
- Gentamicina 240 mg IM + Azitromicina 2 g VO.
- Cefixima 800 mg VO (menor eficácia para infecções faríngeas).
3. Doença Gonocócica Disseminada (DGI)
- Artrite Séptica / Tenossinovite:
- Ceftriaxona 1 g IV a cada 24h + Azitromicina 1 g VO dose única.
- Após melhora (48h), completar 7 dias com Cefixima 400 mg VO 2x/dia.
- Meningite / Endocardite:
- Ceftriaxona 2 g IV a cada 12h por 10-14 dias (meningite) ou 4 semanas (endocardite).
4. Conjuntivite Gonocócica
- Ceftriaxona 1 g IM dose única + Irrigação salina ocular.
Resistência Antimicrobiana
- Ceftriaxona ainda é eficaz, mas resistência crescente é preocupante.
- Fluoroquinolonas (ciprofloxacino, levofloxacino) não são mais recomendadas.
- Cefixima tem menor eficácia contra gonorreia faríngea.
Prevenção e Controle
- Uso consistente de preservativos.
- Triagem regular para ISTs em populações de risco.
- Parceria com programas de saúde pública para rastreamento de contatos.
Conclusão
A gonorreia continua sendo uma IST de alta prevalência e preocupação global, especialmente devido à resistência antimicrobiana crescente. O uso de testes moleculares para diagnóstico e tratamento com ceftriaxona são as abordagens atuais recomendadas. O rastreamento e tratamento precoce são essenciais para evitar complicações e transmissão comunitária.
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Referências
- CDC, 2020 Gonorrhea Treatment Guidelines. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69(50):1911-1916. [PMID:33332296].
- Kirkcaldy RD, Weinstock HS, Moore PC, et al. Clin Infect Dis. 2014;59(8):1083-91. [PMID:25031289].
- St Cyr S, Barbee L, Workowski KA, et al. JAMA. 2021;325(16):1656-1667. [PMID:33894705].