O gênero Enterobacter compreende bacilos Gram-negativos aeróbios e móveis, pertencentes à família Enterobacteriaceae. São comensais do trato gastrointestinal humano, mas podem atuar como patógenos oportunistas em infecções hospitalares, como pneumonias associadas à ventilação mecânica, infecções do trato urinário, bacteremia e meningite neonatal.
O tratamento das infecções por Enterobacter spp. é um desafio devido à alta resistência antimicrobiana, frequentemente mediada por beta-lactamases AmpC, ESBLs e carbapenemases.
Microbiologia
Características Gerais
- Bacilos Gram-negativos, anaeróbios facultativos e móveis.
- Fermentadores de lactose, formando colônias mucoides.
- Comensais intestinais são encontrados em água, solo e esgoto.
- Principais espécies patogênicas:
- Enterobacter cloacae (mais comum).
- Enterobacter aerogenes (agora Klebsiella aerogenes).
- Enterobacter gergoviae.
- Enterobacter asburiae.
Mecanismos de Resistência
- AmpC β-lactamases (classe C de Ambler):
- Produzidas constitutivamente ou induzidas pela exposição a beta-lactâmicos.
- Resistência intrínseca a ampicilina, cefalosporinas de primeira geração e macrolídeos.
- Cefepime é menos suscetível à hidrólise por AmpC.
- ESBLs (Beta-lactamases de espectro estendido):
- Produzidas por algumas cepas (blaCTX-M, blaSHV, blaTEM).
- Conferem resistência a cefalosporinas de 3ª geração e monobactâmicos.
- Carbapenemases (KPC, NDM, IMP, OXA-48-like):
- KPC → Mais comum.
- NDM e OXA-48 → Resistência total a carbapenêmicos.
Epidemiologia
- Infecções hospitalares comuns (UTI, unidades neonatais, pacientes imunossuprimidos).
- Associação com dispositivos médicos (cateteres venosos centrais, ventiladores mecânicos).
- Fatores de risco:
- Uso prévio de antibióticos de amplo espectro.
- Imunossupressão (câncer, transplantes, neutropenia).
- Cirurgia abdominal e ventilação mecânica prolongada.
- Queimaduras extensas e desnutrição.
Manifestações Clínicas
1. Infecções do Trato Urinário (ITU)
- Causam ITU complicada, frequentemente associada a cateterismo urinário.
- Sintomas: Disúria, febre, dor lombar (pielonefrite).
- Maior resistência a cefalosporinas de 3ª geração.
2. Pneumonia Hospitalar (VAP)
- Causa importante de pneumonia associada à ventilação mecânica.
- Frequentemente polimicrobiana, associada a Pseudomonas e Acinetobacter.
- Alto risco de resistência antimicrobiana.
3. Bacteremia e Sepse
- Principalmente associada a dispositivos vasculares.
- Mortalidade elevada, especialmente em neonatos e pacientes imunossuprimidos.
- Enterobacter cloacae é um dos patógenos mais comuns em sepse neonatal.
4. Infecções de Pele e Partes Moles
- Infecções de feridas cirúrgicas e queimaduras.
- Pode levar a fasciíte necrosante em casos graves.
5. Infecções do SNC
- Meningite pós-neurocirúrgica → Associada a derivações ventriculares.
- Enterobacter cloacae pode causar meningite neonatal, geralmente adquirida na UTI.
6. Infecções Intra-Abdominais
- Abscessos hepáticos e esplênicos.
- Complicação pós-cirúrgica comum em pacientes imunossuprimidos.
Diagnóstico
1. Cultura e Identificação
- Cresce em meios padrão (MacConkey, Ágar Sangue).
- Resistência à cefalosporina de primeira geração sugere produção de AmpC.
- Diferenciação de Klebsiella spp. e Enterobacter spp. por teste de motilidade (Enterobacter é móvel).
2. Testes Moleculares
- PCR para detecção de AmpC, ESBLs e carbapenemases.
- Imunocromatografia pode detectar enzimas KPC, NDM e OXA-48.
3. Exames de Imagem
- TC de tórax para pneumonia hospitalar.
- USG abdominal para abscessos hepáticos e esplênicos.
- Ecocardiograma transesofágico (ETE) se suspeita de endocardite.
Tratamento
1. Infecções Graves
- AmpC produtores (Enterobacter cloacae):
- Cefepime 2 g IV 8/8h (primeira escolha).
- Carbapenêmicos se MIC de cefepime ≥4 µg/mL.
- Piperacilina/tazobactam pode ser opção, mas menos eficaz.
- ESBL produtores:
- Carbapenêmicos (Meropenem 1 g IV 8/8h) → Primeira linha.
- Ceftazidima/avibactam pode ser opção para evitar carbapenêmicos.
- Carbapenemase produtores (KPC, NDM, OXA-48):
- Ceftazidima/avibactam + Aztreonam (NDM).
- Meropenem/vaborbactam (KPC).
- Imipenem/relebactam (OXA-48).
- Cefiderocol (resistência extrema).
2. ITU e Pielonefrite
- Ciprofloxacino 500 mg VO 12/12h por 7 dias (se sensível).
- Ertapenem 1 g IV/dia (se resistência a quinolonas).
- Fosfomicina 3 g VO dose única (infecção não complicada).
3. Pneumonia Hospitalar
- Meropenem 1 g IV 8/8h + Aminoglicosídeo (se suspeita de resistência).
- Cefepime 2 g IV 8/8h (se MIC ≤2 µg/mL).
4. Bacteremia
- Meropenem ou Imipenem IV por 10-14 dias.
- Se sensível, Cefepime IV pode ser usado.
Prevenção
- Higiene rigorosa das mãos e controle de infecção hospitalar.
- Uso racional de antibióticos para evitar resistência.
- Descolonização de pacientes de risco pode ser considerada.
Conclusão
As infecções por Enterobacter spp. são desafiadoras devido à resistência antimicrobiana. O tratamento deve ser guiado por testes de sensibilidade, e o uso de carbapenêmicos deve ser restrito para evitar resistência adicional. A prevenção hospitalar e a vigilância epidemiológica são essenciais para reduzir a disseminação dessas infecções.
🧠 Se você chegou até aqui, é porque leva conhecimento a sério.
No App do InfectoCast, você encontra o que não cabe num post: prática, atualização e precisão.
📲 Clique aqui e mergulhe de vez.
Referências
Tamma PD, Goodman KE, Harris AD, et al. Comparative effectiveness of cefepime vs carbapenems for the treatment of bloodstream infections due to Enterobacter species with chromosomal AmpC beta-lactamase. Clin Infect Dis. 2021;72(9):1624-1632. DOI: 10.1093/cid/ciaa249
Doi Y, Paterson DL. Resistance in gram-negative bacteria: Enterobacter spp. Clin Infect Dis. 2015;60(Suppl 2):S76-S79. DOI: 10.1093/cid/civ111
CDC (Centers for Disease Control and Prevention). Carbapenemase-producing Enterobacterales (CPE) and Infection Control Measures. Disponível em: https://www.cdc.gov/hai/organisms/cre/index.html
Livermore DM. β-Lactamases in laboratory and clinical resistance. Clin Microbiol Rev. 2018; 31(1):e00019-18. DOI: 10.1128/CMR.00019-18