O gênero Capnocytophaga compreende bacilos Gram-negativos fusiformes, que podem ser anaeróbios facultativos ou estritamente anaeróbios. Essas bactérias fazem parte da microbiota oral de cães, gatos e humanos, podendo causar infecções invasivas graves em indivíduos imunocomprometidos, especialmente após mordidas ou arranhões de animais.
A infecção por Capnocytophaga canimorsus pode resultar em septicemia fulminante, choque séptico e coagulação intravascular disseminada (CID), particularmente em asplênicos, alcoólatras e pacientes imunossuprimidos. Este artigo revisa os aspectos microbiológicos, epidemiológicos, clínicos e terapêuticos das infecções por Capnocytophaga spp.
Microbiologia
Principais Espécies
- Capnocytophaga canimorsus (anteriormente DF-2) → Mais virulenta, associada a septicemia pós-mordida de cão.
- Capnocytophaga cynodegmi → Menos virulenta, relacionada a infecções de pele e tecidos moles.
- Capnocytophaga sputigena, C. gingivalis, C. granulosa → Encontradas na cavidade oral humana, podendo causar infecções periodontais e respiratórias.
Características Microbiológicas
- Bacilos Gram-negativos fusiformes.
- Crescimento lento em cultura, frequentemente subdiagnosticado.
- Microaerofílico e fastidioso → requer meios enriquecidos.
- Resistência natural a polimixinas, fosfomicina, fusídico e trimetoprima.
- Beta-lactamases variáveis, sendo geralmente sensível a penicilinas e carbapenêmicos.
Epidemiologia
- Transmissão mais comum:
- Mordidas e arranhões de cães e gatos.
- Contato com saliva de animais em feridas abertas.
- Grupos de risco para infecção grave:
- Asplênicos (risco de septicemia aumentado em 30-60x).
- Alcoólatras crônicos.
- Imunossuprimidos (AIDS, quimioterapia, doenças hematológicas).
Manifestações Clínicas
1. Infecções de Pele e Tecidos Moles
- Celulite rapidamente progressiva.
- Formação de bolhas hemorrágicas e necrose.
- Evolução para fasciíte necrosante em casos graves.
2. Infecção Sistêmica e Sepse
- Septicemia fulminante em pacientes de risco.
- Coagulação intravascular disseminada (CID).
- Purpura fulminans e gangrena acral.
3. Infecções Neurológicas
- Meningite (associada a C. canimorsus).
- Abscessos cerebrais (raros, mas descritos).
4. Infecções Oculares
- Endoftalmite após mordidas ou contato ocular com saliva contaminada.
5. Outras Manifestações
- Endocardite (rara, mas descrita).
- Artrite séptica e osteomielite após inoculação direta.
Diagnóstico
1. Cultura
- Difícil isolamento devido ao crescimento lento (≥ 3-7 dias).
- Requer meios enriquecidos e microaerofilia.
- Gram: Bacilos finos e fusiformes.
2. Métodos Moleculares
- PCR e MALDI-TOF MS → Alta sensibilidade e rapidez na identificação.
3. Hemocultura
- Positiva em 50-60% dos casos de septicemia.
4. Diagnóstico Diferencial
- Outras infecções associadas a mordidas de animais:
- Pasteurella multocida.
- Streptococcus pyogenes.
- Staphylococcus aureus.
- Eikenella corrodens.
Tratamento
1. Infecções Graves (Sepse, Endocardite, Meningite)
Opções de primeira linha (IV):
- Ampicilina/sulbactam 3 g IV 6/6h.
- Penicilina G 4 milhões U IV 4/4h (se não produzir beta-lactamase).
- Ceftriaxona 2 g IV 24/24h.
- Meropenem 1 g IV 8/8h (casos resistentes ou alergia a penicilinas).
Duração:
- Septicemia e meningite → 4-6 semanas.
- Endocardite → ≥ 6 semanas.
2. Infecções Leves a Moderadas (Celulite, Mordidas de Cão/Gato)
Opções orais:
- Amoxicilina/clavulanato 875 mg VO 12/12h (1ª escolha).
- Doxiciclina 100 mg VO 12/12h (alergia a beta-lactâmicos).
- Clindamicina 300 mg VO 6/6h (alternativa).
Duração:
- Celulite simples → 10-14 dias.
- Abscessos ou artrite séptica → 3-4 semanas.
3. Profilaxia Pós-Mordida (Indicação para Asplênicos e Imunossuprimidos)
- Amoxicilina/clavulanato 875 mg VO 12/12h por 7-10 dias.
- Alternativa: Doxiciclina + Clindamicina.
Resistência Antimicrobiana
- Resistência à fosfomicina, fusídico e polimixinas.
- Beta-lactamases variáveis → testes de suscetibilidade são recomendados.
- Cefalosporinas de 1ª geração e aztreonam não são eficazes.
Prevenção
- Lavar imediatamente mordidas e arranhões com água e sabão.
- Evitar contato de saliva de animais com feridas abertas.
- Vacinação de cães e gatos contra raiva (avaliação conjunta em mordidas graves).
Conclusão
As infecções por Capnocytophaga spp. podem variar de celulite leve a septicemia fulminante, com alta letalidade em pacientes asplênicos e imunossuprimidos. O tratamento requer beta-lactâmicos de amplo espectro, sendo a profilaxia pós-exposição essencial para prevenir complicações graves. O diagnóstico precoce e a utilização de métodos moleculares são fundamentais para guiar o tratamento adequado.
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Referências
- Beauruelle C, Plouzeau C, Grillon A, et al. Capnocytophaga zoonotic infections: a 10-year retrospective study. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2022.
- Hansen M, Crum-Cianflone NF. Capnocytophaga canimorsus Meningitis: Diagnosis Using PCR and Systematic Review. Infect Dis Ther. 2019.