O Complexo Burkholderia cepacia (Bcc) compreende um grupo de bacilos Gram-negativos aeróbios não fermentadores, conhecidos por sua resistência intrínseca a múltiplos antibióticos e associação com infecções oportunistas, especialmente em pacientes imunocomprometidos e com fibrose cística (FC). A infecção pode variar de colonização assintomática a pneumonia fulminante, bacteremia e sepse, frequentemente associadas a alta morbidade e mortalidade.
Microbiologia
Principais Espécies
O Complexo Burkholderia cepacia inclui várias espécies, sendo as mais relevantes:
- B. cepacia (primeiramente descrita em cebolas, de onde vem o nome).
- B. cenocepacia (associada à maior letalidade).
- B. multivorans.
- B. stabilis.
- B. vietnamiensis.
- B. dolosa.
- B. ambifaria.
- B. lata.
- B. pyrrocinia.
Características Microbiológicas
- Não fermentadores, aeróbios, com alta resistência a antibióticos.
- Formação de biofilmes, facilitando persistência em superfícies hospitalares.
- Produção de enzimas e toxinas (catalases, proteases, sideróforos).
- Sobrevivência intracelular, dificultando a erradicação com antibióticos.
- Regulação por quorum sensing, permitindo comunicação bacteriana e adaptação ao ambiente.
Epidemiologia
- Oportunista hospitalar:
- Associado a surtos relacionados a soluções contaminadas, ventiladores mecânicos, cateteres venosos centrais e desinfetantes.
- Identificado em pias, lavatórios, umidificadores e equipamentos médicos.
- Pacientes de risco:
- Fibrose cística → pode evoluir para a síndrome cepacia (progressão rápida para insuficiência respiratória e sepse).
- Pneumopatias crônicas e imunossupressão (transplantados, pacientes com doença granulomatosa crônica, uso prolongado de corticoides).
Manifestações Clínicas
1. Infecções Pulmonares
- Pacientes com Fibrose Cística:
- Colonização crônica e deterioração pulmonar progressiva.
- Síndrome Cepacia → pneumonia necrosante fulminante com mortalidade de 75%【94】.
- Pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica.
- Bronquiectasias e infecções pós-transplante pulmonar.
2. Bacteremia e Sepse
- Bacteremia associada a cateter venoso central.
- Sepse grave, podendo levar à coagulação intravascular disseminada (CID).
3. Infecções Cutâneas e de Partes Moles
- Ectima gangrenoso (lesões necróticas semelhantes às de Pseudomonas aeruginosa).
- Infecções em queimaduras e feridas cirúrgicas.
4. Outras Infecções
- Endoftalmite.
- Endocardite (raro, associado a usuários de drogas injetáveis).
- Infecções ósseas e articulares (osteomielite, artrite séptica).
Diagnóstico
1. Cultura e Identificação
- Cresce em meios padrão, mas o isolamento deve ser diferenciado de colonização versus infecção.
- MALDI-TOF MS → alta sensibilidade para identificação do gênero, mas pode falhar na diferenciação entre espécies.
2. Testes de Suscetibilidade
- Necessário para guiar terapia, pois a resistência antimicrobiana é variável entre isolados.
- EUCAST não fornece pontos de corte para B. cepacia devido à falta de correlação entre CIMs e resposta clínica.
Tratamento
Devido à resistência intrínseca a múltiplos antibióticos, o tratamento deve ser guiado por testes de suscetibilidade.
1. Opções de Primeira Linha
- Trimetoprima/sulfametoxazol (TMP/SMX) 8-12 mg/kg/dia VO/IV (1ª escolha se sensível).
- Ceftazidima 2 g IV 8/8h.
- Minociclina 100 mg IV/VO 12/12h.
- Imipenem/cilastatina 1 g IV 6/6h.
- Doripenem 500 mg IV 8/8h.
- Meropenem 1-2 g IV 8/8h.
- Cloranfenicol (uso restrito devido a efeitos adversos hematológicos).
2. Alternativas
- Ceftazidima/avibactam 2,5 g IV 8/8h → mostrou melhor atividade in vitro que ceftazidima isolada【94】.
- Piperacilina/tazobactam (pouco eficaz, suscetibilidade variável).
- Doxiciclina (atividade inferior à minociclina).
- Cefepime (geralmente resistente).
3. Infecções Graves
- Pneumonia ou Sepse:
- Terapia combinada baseada em carbapenêmico + TMP/SMX.
- Ceftazidima/avibactam pode ser uma alternativa.
- Infecções pulmonares crônicas em FC:
- Nebulização de TMP/SMX ou ceftazidima como terapia adjuvante.
Prevenção e Controle
- Higiene rigorosa em hospitais para evitar surtos.
- Uso de água estéril para equipamentos médicos (ventiladores, umidificadores).
- Isolamento de pacientes com Fibrose Cística para evitar transmissão cruzada.
- Monitoramento de infecções associadas a dispositivos médicos.
Conclusão
O Complexo Burkholderia cepacia representa um desafio clínico significativo, devido à alta resistência antimicrobiana, formação de biofilmes e persistência ambiental. O tratamento deve ser individualizado, com base em testes de suscetibilidade, e estratégias de controle de infecção são fundamentais para reduzir a disseminação nosocomial.
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Referências
- Horsley A, Jones AM, Lord R. Antibiotic treatment for Burkholderia cepacia complex in CF. Cochrane Database Syst Rev. 2016.
- Tamma PD, Fan Y, Bergman Y, et al. Ceftazidime-avibactam for Burkholderia cepacia infections. Antimicrob Agents Chemother. 2018.