A brucelose é uma zoonose crônica e debilitante causada por cocobacilos Gram-negativos aeróbios intracelulares do gênero Brucella. A transmissão ocorre principalmente pelo contato com animais infectados ou consumo de produtos não pasteurizados. A doença pode se apresentar de forma aguda, subaguda ou crônica, com manifestações inespecíficas e complicações multissistêmicas.
Microbiologia
Principais Espécies Patogênicas
- Brucella abortus → Bovinos, búfalos (transmissão a humanos pelo leite e contato direto).
- Brucella melitensis → Caprinos, ovinos, camelos (mais virulenta e predominante em humanos).
- Brucella suis → Suínos e animais silvestres.
- Brucella canis → Cães, raramente causa infecção humana.
Espécies menos comuns:
- B. ovis, B. neotomae (roedores).
- B. delphini, B. pinnipediae, B. cetaceae (mamíferos marinhos, raramente patogênicas em humanos).
Características Microbiológicas
- Intracelulares facultativas, com predileção por células do sistema reticuloendotelial.
- Crescimento lento em cultura, exigindo até 6 semanas para isolamento.
- Capacidade de formar biofilmes e resistir ao sistema imunológico.
- Alto risco biológico (agente de bioterrorismo, categoria B) → culturas devem ser manuseadas em laboratórios de biossegurança nível 3 (BSL-3).
Epidemiologia
- Endêmica no Mediterrâneo (Espanha, Itália, Grécia, Turquia), Oriente Médio, Índia e América Latina (México, Peru, Argentina).
- Casos nos EUA ocorrem principalmente no Texas, Arizona e Califórnia, especialmente entre imigrantes.
- Transmissão:
- Consumo de leite e derivados não pasteurizados.
- Contato direto com animais infectados (abatedouros, veterinários, fazendeiros).
- Inalação de aerossóis contaminados (laboratórios).
- Transmissão vertical rara (congênita ou aleitamento materno).
Manifestações Clínicas
A brucelose é chamada de “a grande imitadora” devido à sua variedade de manifestações.
1. Brucelose Aguda (<8 semanas)
- Febre ondulante (picos febris intercalados com períodos afebris).
- Sudorese intensa (cheiro adocicado devido a compostos voláteis eliminados pelo suor).
- Cefaleia, fadiga, mialgia e artralgia.
- Hepatoesplenomegalia (33%) e linfadenopatia (10%).
2. Brucelose Subaguda (8-52 semanas)
- Sintomas inespecíficos persistentes (astenia, dor musculoesquelética).
- Complicações osteoarticulares (artrite sacroilíaca, espondilite, osteomielite).
- Depressão e sintomas neuropsiquiátricos.
3. Brucelose Crônica (>1 ano)
- Doença recidivante ou localizada.
- Neurológica (meningoencefalite, neuropatia periférica, síndrome da cauda equina).
- Endocardite (1-3%) → principal causa de mortalidade.
- Brucelose geniturinária (6-8%) → epididimorquite e prostatite.
Diagnóstico
1. Cultura (Padrão-Ouro)
- Hemocultura positiva em 40-90% dos casos agudos (reduzida na forma crônica).
- Mielocultura (aumenta em 15-20% a chance de detecção).
- Culturas exigem BSL-3 devido ao risco de infecção laboratorial.
2. Sorologia
- Teste de Rosa de Bengala (triagem inicial, alta sensibilidade).
- Soroaglutinação (SAT) ≥ 1:160 → diagnóstico em áreas não endêmicas.
- Coombs indireto e Brucellacapt → útil em casos crônicos.
- ELISA → diagnóstico de brucelose neurogênica.
3. PCR
- Alta especificidade, mas sensibilidade varia de 50-100%.
- Pode permanecer positivo por longo tempo após cura.
4. Exames Complementares
- Leucopenia (WBC < 4000/mm³ em 20%).
- Linfocitose em 50% dos casos.
- Aumento de transaminases hepáticas.
- ESR/CRP elevados.
Tratamento
1. Terapia Combinada de Primeira Linha
- Doxiciclina 100 mg VO 12/12h por 45 dias + Estreptomicina 1 g IM/dia por 14-21 dias ou Gentamicina 5 mg/kg/dia IV/IM por 7-10 dias.
- Alternativa oral: Doxiciclina + Rifampicina 600-900 mg/dia por 6 semanas (recomendação OMS).
- Evitar monoterapia (altas taxas de recidiva, 5-8%).
2. Terapia de Segunda Linha
- Minociclina 100 mg 12/12h + Rifampicina 600 mg/dia (menor taxa de recaída que doxiciclina).
- Ciprofloxacino 500 mg VO 12/12h + Rifampicina 600 mg VO/dia por 30 dias (estudo sugere equivalência a doxiciclina + rifampicina por 45 dias).
3. Terapia de Terceira Linha
- TMP-SMX 160/800 mg VO 8/8h por 6 semanas + Gentamicina 5 mg/kg IM/dia por 2 semanas.
- Alternativa para gestantes: Rifampicina isolada.
4. Formas Graves
- Neurobrucelose: Doxiciclina + Rifampicina + Ceftriaxona IV por 8-12 semanas.
- Endocardite: Doxiciclina + Rifampicina + Estreptomicina/Gentamicina, frequentemente requer troca valvar.
Prevenção
- Evitar consumo de leite e derivados não pasteurizados.
- Uso de EPI em abatedouros e laboratórios.
- Vacinação de animais (B. abortus cepa RB51, não recomendada para humanos).
- Controle de cães infectados (B. canis).
Conclusão
A brucelose continua sendo um importante problema de saúde pública, com diagnóstico desafiador e potencial para cronicidade. A terapia ideal envolve regimes combinados de antibióticos para reduzir a taxa de recidiva. Prevenção primária, incluindo controle da cadeia alimentar e vigilância veterinária, é essencial para reduzir a incidência da doença.
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Referências
- Bosilkovski M, Arapović J, Keramat F. Human brucellosis in pregnancy. Bosn J Basic Med Sci. 2019.
- Meng F, Pan X, Tong W. Meta-analysis on brucellosis treatment efficacy. PLoS One. 2018.